Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Venezuela

A lição da história ignorada por Maduro

Poder do ditador luta contra o relógio da história

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O presidente Nicolás Maduro discursa durante ato em Caracas - Manaure Quintero - 23.fev.2019/Reuters

Nicolás, uma versão do original grego, significaria, etimologicamente, a “vitória do povo”. Há quase 30 anos, outro ditador com esse nome, o romeno Nicolae Ceausescu, ignorou mudanças ao seu redor, insistiu em permanecer no poder e, ao final, mergulhou o país num banho de sangue, enquanto vizinhos se livravam do comunismo em transições pacíficas. Uma delas, a da Tchecoslováquia, chegou a ganhar o rótulo de “Revolução de Veludo”.

Nicolás Maduro parece ignorar lições da história oferecidas pelo turbulento ano de 1989, modelado pela queda do Muro de Berlim e pela dissolução dos regimes pró-URSS da Europa oriental. Como um castelo de cartas, o império construído nas vizinhanças de Moscou por Josef Stálin se esboroou com velocidade inesperada.

A ditadura chavista apresenta resiliência incomparável à fragilidade dos regimes impostos pelo stalinismo, e explicação para a diferença talvez resida justamente no fato de os governos títeres da Europa oriental, na Guerra Fria, terem surgido, na essência, de intervenção externa. Já a era Chávez brotou da realidade venezuelana, captando, na votação presidencial de 1998, demandas eleitorais, para, em seguida, instaurar a tragédia autocrática e o caos econômico.

A exemplo do regime comunista na Romênia de 1989, o poder madurista luta contra o relógio da história. Nicolás Maduro, desde 2015, testemunha aliados regionais serem derrotados em eleições democráticas, como Nicolae Ceausescu observava, no ocaso de seu reinado, o desmonte pacífico de governos condenados por seu autoritarismo e ineficiência, na Alemanha oriental, Polônia, Hungria e Tchecoslováquia.

O ditador romeno se considerava imune aos ventos políticos de então. A penúria econômica castigava o país, mas Ceausescu, no poder desde 1965, confiava nos tentáculos da Securitate, versão romena da KGB e um dos mais brutais aparatos de repressão do “bloco socialista”.

Em dezembro de 1989, a perseguição a um dissidente e líder religioso, na cidade de Timisoara, gerou protestos cujas reverberações chegavam à capital, Bucareste. Ceausescu ignorou o momento histórico, confiou na Securitate e, em discurso na TV estatal, condenou “interferências de forças estrangeiras nos assuntos internos da Romênia”.

A 21 de dezembro, o ditador reuniu uma multidão em frente à sede do PC romeno. No discurso, atacou os “fascistas” e falou dos “logros do socialismo”. O relógio mal apontava oito minutos após início da fala quando estrepitosas vaias passaram a sufocar as palavras de Ceausescu.

Explodiu então o levante em Bucareste. O ditador ordenou ao general Vasile Milea, ministro da Defesa, lançar militares contra os manifestantes. A ordem foi rejeitada, e Milea se suicidou. A notícia de sua morte desencadeou adesão de soldados à onda anticomunista, combatida por agentes da Securitate.

Nos confrontos, centenas de mortos e, em meio ao derramamento de sangue, Ceausescu e sua mulher, Elena, tentaram fugir. Acabaram presos e fuzilados, depois de um arremedo de julgamento, a 25 de dezembro.

No final da década de 1980, alguns líderes comunistas da Europa oriental, como o húngaro Imre Pozsgay, se notabilizaram pela contribuição a transições pacíficas, rendendo-se aos imperativos do momento histórico.

Nicolás Maduro, embora sinalize insistir na manutenção de um regime moribundo, ainda pode evitar mais ondas de violência. Como único caminho, a negociação, de olho na democracia e na recuperação econômica da Venezuela, como sugere a leitura dos eventos europeus de 1989.

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