Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Quanto vale o seu conteúdo?

Me parece necessário voltar à velha máxima: se você não está pagando pelo produto, você é o produto

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Semana passada, a poucas horas do prazo de entrega desta coluna, me vi empacada. Havia chegado de viagem havia 24 horas, num trajeto longo e cansativo com duas crianças cheias de energia. Ainda em estado de semi-transe ocasionado pelo cansaço e pelo fuso horário trocado, não era capaz de performar com eficiência nem as tarefas mais mundanas, que dirá a tarefa de escrever qualquer coisa que prestasse.

Resolvi então recorrer ao recurso que me trouxe até aqui. A internet. Mais precisamente às redes sociais. Abri o meu perfil no Instagram e, como a sinceridade sempre me pareceu a melhor das políticas para obter engajamento, publiquei nos Stories uma caixa de pergunta com a súplica: "sem ideias pra coluna dessa semana. Aceito sugestões de pauta".

AdobeStock

Minutos depois meu Inbox foi inundado por uma enxurrada de ideias e eu me senti uma idiota por não ter tido essa ideia antes. As sugestões variavam imensamente.

Enquanto registrava todas no meu bloco de notas me preparando para futuros dias de empacamento que certamente virão, uma mensagem me chamou atenção. Não se tratava de uma sugestão. A mensagem tinha forma de pergunta, mas de dúvida nada tinha. Tratava-se de afirmação, apesar do artifício do ponto de interrogação ao final.

"Por que escrever uma coluna para um jornal cujo acesso é apenas para assinantes?"

Era uma reclamação, ou talvez uma provocação, ou possivelmente um pequeno e cotidiano julgamento. A todas as alternativas anteriores caberia o silêncio como resposta, ou talvez um irônico "desculpe o incômodo". Mas a mensagem desencadeou uma cadeia de pensamentos que fui incapaz de conter.

Tendo iniciado a conversa no fórum público do Instagram achei por bem dar a resposta usando o mesmo meio. Liguei a câmera do telefone e me pronunciei decretando o que me parecia óbvio: trata-se de um trabalho, para o qual eu como colunista recebo um salário, que por sua vez contribui para o pagamento das minhas contas.

E está aí a razão de escrever para o jornal, que por sua vez, para pagar o meu salário e de muitos outros (além de, como qualquer empresa, buscar oferecer possível lucro aos seus proprietários ou acionistas) recorre à publicidade (cada vez mais escassa, uma vez que anunciantes migraram seus investimentos em massa para plataformas como Google e Meta) e à contribuição mensal de seus assinantes.

Dada a resposta e feitos os não devidos esclarecimentos, segui refletindo sobre o que havia levado minha cara seguidora a se queixar dessa maneira de algo que me parece tão óbvio.

Cresci num tempo em que a notícia não chegava pelo telefone. Sim, era possível encontrá-las nos canais abertos da televisão, aqui e ali entre uma novela e outra. Mas o aprofundamento na notícia se dava através do papel. E, para ter acesso a ele era preciso ir até a banca de jornal e, pasmem, comprar um exemplar.

Por favor, não atribuam qualquer tom saudosista ao meu relato. O saudosismo costuma ter olhos bondosos demais para o passado. Os tempos de então não eram necessariamente melhores do que os de agora.

O tempo passou e trouxe consigo uma descentralização dos discursos e a democratização do acesso à informação, além da possibilidade de que pessoas se tornassem veículos tão ou mais poderosos que alguns destes mesmos jornais. Celebramos as vozes diversas surgidas a partir das redes sociais e consumimos de forma voraz os conteúdos de criadores e influenciadores que compõem o tecido das redes, mas ai de mim se algum tentar me vender algo.

Com todo esse acesso irrestrito, tenhamos criado a ideia de que informação e pensamento não têm valor. E, vejam que interessante, trata-se de uma lógica mais especificamente aplicada à notícia e à escrita, ao pensamento e à opinião. Afinal, ninguém questionaria um roteirista por escrever roteiros para a Netflix, que similarmente a este jornal, cobra acesso de seus assinantes.

Me preocupa portanto que, em tempos de fake news, plataformas que perpetuam a lógica da superficialidade e algoritmos que respondem somente à lei do que é mais clicável, estejamos valorizando cada vez menos os processos jornalísticos, as investigações aprofundadas e o pensamento crítico.

Me parece necessário voltar à velha máxima: se você não está pagando pelo produto, você é o produto.

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