Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas

Minha felicidade é mais instagramável que a sua

Muitas vezes nos esquecemos do degradê de sentimentos que compõe a vida fora das redes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Recentemente tomei a decisão de diminuir consideravelmente a minha presença nas redes sociais. Logo que coloquei a tal decisão em prática e abandonei o hábito nefasto de me obrigar a aparecer no Instagram diariamente, recebi mensagens perguntando se estava tudo bem. Como se minha reclusão digital talvez representasse uma reclusão também analógica, certamente decorrente de alguma adversidade.

Não era o caso. Pelo contrário. A vida fora da internet estava boa. Não que eu estivesse com os pés para cima. Havia, claro, os revezes normais da vida adulta, mas em meio a eles havia também belos dias de céu azul, risadas das crianças brincando na sala e música tocando na cozinha. A decisão de ficar menos online era fruto de uma vontade de estar de corpo presente para viver aquela vida que se desenrolava ao meu redor. Era também um pedido de licença temporária para mim mesma deste trabalho (no meu caso em grande parte não remunerado) que é criar conteúdo e a pressão de performance que vem a reboque dele. A cada post a constante vigilância: quantos likes? Quantos compartilhamentos? Quantos seguidores a mais? Ou a menos?

Deagreez/Adobe Stock
deagreez/adobe stock

Feliz com a minha mudança, ofereci explicações àqueles que se preocuparam com a minha repentina ausência. E segui a vida.

Meses se passaram e, desobrigada da pressão de postar, voltei a aparecer nas redes ocasionalmente, uma foto ali, outra aqui. E eis que recebo uma nova mensagem: "Você parece triste nos últimos tempos. Vejo suas fotos e tenho a sensação de que você não está bem."

Permita-me descrever a foto que que serviu de gatilho para que a tal pessoa tomasse a drástica atitude de me comunicar sua preocupação. Nela eu aparecia deitada sobre a grama. Meus cabelos, recentemente tingidos de rosa, se esparramavam sobre o verde. O sol encostava na pele e os óculos escuros, posicionados na ponta do nariz, deixavam à mostra os olhos fechados. Por fim, um sorriso discreto inclinava levemente os cantos da boca para cima. Se fechar os olhos hoje, semanas depois do momento vivido, consigo ainda sentir o calor suave do sol no rosto e ouvir o som da voz dos meus filhos procurando por insetos entre as flores.

A mensagem me intrigou por dias. De tantos momentos tristes que compõem a colcha de retalhos do cotidiano, aquele sem dúvida não havia sido um deles. Na verdade, nenhum dos momentos postados naquele retorno internético haviam sido tristes. Parte do benefício pessoal de não estar online a todo momento era a possibilidade de manter momentos tristes no âmbito privado, caso esse fosse o meu desejo. E, apesar de reconhecer que a exposição de nossas fraquezas e vulnerabilidades nas redes sociais é de extrema importância (e algo que já pratiquei muito num passado não tão distante), me permiti durante esse retorno soft ao Instagram, me poupar disso.

A pergunta portanto permanecia sem resposta. Será que eu estava triste e não sabia? Será que a felicidade da vida adulta, essa felicidade que convive com os boletos a serem pagos e a semi-constante dor na lombar, é simplesmente menos feliz? Talvez até um pouco triste?

Até que, dias depois, navegando por fotos alheias, me deparei com uma possível explicação. Em todas elas se via gente fazendo coisas dignas de compartilhamentos. Viagens a lugares onde é preciso ir de avião, pratos com os croquetes mais crocantes já fritos na face da terra, eventos com playlists modernas, eventos com gente bonita, interessante e bem vestida, registrados por rolos de filme antigos pra dar um ar de nostalgia. Em todas uma felicidade que falava mais alto que a minha daquele sábado à tarde na grama.

Em contraponto, as tristezas que vejo salpicar minha timeline também são imensas, talvez também maiores do que essas que salpicam o meu dia a dia. E entre esses extremos, me pergunto se, em busca do clique, do engajamento, da performance digital, estamos esquecendo que cara tem esse degradê de sentimentos que compõem a vida fora das redes.

Venho aqui, portanto, apenas lembrar a mim mesma que, na maior parte dos dias, a felicidade tem mais feitio de silêncio do que de fogos de artifício, por mais que a vida nas redes faça parecer o contrário.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.