Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Emagrecer ou fazer um mestrado? Eis a questão

Estudo afirma que, para mulheres, existe uma conexão direta entre perda de peso e avanço profissional

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Outro dia, enquanto pesquisava para escrever sobre o caso de Henrique Silva Chagas, o rapaz de 27 anos que morreu tragicamente vítima de um procedimento estético, me deparei com um dado assustador.

A matéria falava sobre o fenômeno do glow up, um processo ao qual cada vez mais jovens —especialmente mulheres— se submetem em busca de estarem mais próximos do que se convencionou chamar padrão de beleza. O glow up consiste em um ou mais procedimentos estéticos que podem ir de um inofensivo corte de cabelo até cirurgias plásticas.

Lá pelo terceiro parágrafo, depois de oferecer exemplos de meninas e mulheres reais cujas jornadas de glow up se iniciaram a partir de uma insatisfação com a própria aparência (na esmagadora maioria das vezes trazida à tona a partir de comentários alheios), a matéria lançava a bomba que me deixou enfurecida por dias a fio.

A imagem mostra uma mulher gorda de pé em uma plataforma vibratória em um ambiente interno. A pessoa está vestindo uma camiseta rosa e calça de ginástica. Ao fundo, há uma janela com luz natural entrando, uma mesa pequena com um vaso de planta e outros objetos decorativos.
Como é possível que empregadores, cujo interesse deveria estar relacionado exclusivamente ao desempenho profissional dessa mulher, privilegiem a aparência? - Joaquin Corbalan/Adobe Stock

"Não à toa, essas meninas não medem esforços para atingir ‘a melhor versão de si mesmas’" dizia o texto, apontando logo em seguida uma pesquisa realizada pela The Economist, importante publicação britânica. O estudo afirmava que, para mulheres, existe uma conexão direta entre perda de peso e avanço profissional. Mais precisamente, para mulheres obesas, emagrecer 30 quilos aumenta a probabilidade de aumento salarial dessas mulheres na mesma medida que obter um diploma de mestrado.

Se você está se perguntando se entendeu corretamente, eu lhe asseguro, é isso mesmo. A mudança no corpo de uma mulher obesa na direção do que é considerado o "padrão de beleza" a qualifica para aumentos salariais tão significativos quanto aqueles oferecidos a mulheres que investiram seu tempo em se aperfeiçoarem em suas áreas de atuação.

O dado me tirou do sério. Como é possível que empregadores, cujo interesse deveria estar relacionado exclusivamente ao desempenho profissional dessa mulher, rotineiramente e comprovadamente, privilegiem a aparência do corpo dessa mulher em detrimento do que seu cérebro é capaz de oferecer?

Lembrei-me então de "O Mito da beleza", o tão aclamado quanto controverso livro da autora americana Naomi Wolf. Nele, Naomi traça um paralelo entre o desejo de manutenção do patriarcado e o estabelecimento de um ideal inatingível de beleza feminina. Segundo Wolf, o tempo e atenção despendidos numa busca incessante por beleza significa tempo e atenção que poderiam estar sendo investidos em lutas por direitos, em melhor educação, em busca por avanço profissional.

Muito já foi exposto e debatido sobre a falta de substância por trás de algumas das teorias apresentadas pela autora, bem como utilização de dados falsos ou exagerados para embasar suas teses. Mas, por mais que o livro falhe em comprovar a existência desse grande complô da indústria da beleza, ao dar de cara com dados como esse, fica difícil não acreditar que há algo de absolutamente perverso nesse eterno incentivo ao autoaperfeiçoamento da aparência da mulher.

Dos temas abordados incessantemente por editorias ditas "femininas" até a sinalização silenciosa do dinheiro a mais no contracheque. Até quando o avanço profissional vem, até quando o salário aumenta, a mensagem parece ser clara: tome o dinheiro, mas lembre-se que o que importa não é o que você pensa, mas o quanto você enfeita uma sala de reunião.


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