Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Descrição de chapéu Todas

Os uniformes olímpicos e o nosso maior pecado como nação

O visual da cerimônia é uma bela representação da irrelevância artística do kit entregue aos atletas

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A poucas horas do início dos Jogos Olímpicos de Paris não se fala em outra coisa que não seja a decepção geral da nação com os uniformes do Brasil para a cerimônia de abertura do evento.

Revelados em abril, os looks do Brasil para as cerimônias de abertura e de encerramento, bem como as roupas de viagem da delegação brasileira, foram idealizados e produzidos pela rede de fast fashion Riachuelo, patrocinadora do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e uma das três marcas responsáveis por vestir os atletas durante o período das Olimpíadas.

Confesso que, antes mesmo de ver as peças e o conjunto da obra, fui acometida por um triste pressentimento. Como alguém que já observa esse mercado por dentro e por fora há muito anos, sei que por mais que o fast fashion tenha um papel importante na democratização do acesso às tendências, ele está longe de ser a melhor representação do potencial artístico que a moda de qualquer país tem a oferecer. Pelo contrário, as grandes redes de moda rápida, no Brasil e no mundo, são conhecidas justamente pela reprodução muitas vezes empobrecida daquilo que já existe, diluindo o que um dia foi original (e de autoria de outrem) para alimentar uma sede de consumo que foi criada por elas mesmas.

Um grupo de oito pessoas posando para a foto em um ambiente noturno. Eles estão vestidos com camisetas brancas e saias brancas, algumas usando jaquetas jeans. O grupo é composto por quatro mulheres e quatro homens, com um deles usando um agasalho esportivo. O fundo é escuro, sugerindo que a foto foi tirada ao ar livre à noite.
Uniformes do Brasil para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos - Divulgação/Riachuelo

A Riachuelo entregou o esperado. O visual da cerimônia, que tem rodado a internet nos últimos dias, é uma bela representação da irrelevância artística do kit entregue aos atletas. A saia branca na altura do joelho, combinada com uma camiseta amarela e uma jaqueta jeans ajustada ao corpo formam um conjunto desatualizado, com um design não apenas conservador como preguiçoso.

Confirmadas minhas expectativas —ou falta delas— pus-me a pensar sobre o que nos levou a entregar a enorme responsabilidade de vestir nossos atletas no maior evento esportivo do mundo a uma marca que muito possivelmente não faria jus a essa responsabilidade. E a resposta veio quase imediatamente, tão óbvia e representativa que é de quem somos como nação. Trata-se de mais um exemplo da nossa dificuldade de enxergar a longo prazo.

A verdade é que faltou visão. Faltou visão da Riachuelo, que preferiu apostar em looks altamente comerciais, prontos para serem reproduzidos em massa e figurarem imediatamente em suas araras, em vez de entregar algo novo, inesperado e que talvez não fosse um sucesso de vendas, mas que pudesse a projetar a um outro patamar de credibilidade dentro da indústria da moda e frente aos seus competidores.

Faltou visão do Comitê Olímpico, que preferiu o ganho financeiro imediato de um patrocinador gigantesco, em vez de perceber o gigantesco potencial de projeção do Brasil por meio de uma moda mais autoral, mais representativa do país inovador e criativo que somos e queremos comunicar para o mundo.

Nesta quarta-feira (24) o presidente do COB, Paulo Wanderley, reagiu às críticas sobre os uniformes afirmando: "Não é uma fashion week em Paris. São os Jogos Olímpicos de Paris". Seu pronunciamento apenas reforça essa falta de visão.

Enquanto nos preocupamos em gerar vendas e caixa, países como Mongólia e Haiti parecem ter sacado uma lição que, espero, o Brasil aprenda e carregue para as próximas edições: de que quem ganha os Jogos Olímpicos não é necessariamente quem traz mais medalhas de ouro para casa, mas quem usa os holofotes para brilhar mais. E nesse quesito o Brasil já chega em Paris perdendo.


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