Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas

Mamãe, você pode tentar não trabalhar hoje?

Lá estava eu, descumprindo o combinado que tinha feito horas antes

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No primeiro dia das nossas férias eu trabalhei a manhã inteira do quarto do hotel enquanto as crianças brincavam na piscina com o pai e o avô. A luz fria do quarto contrastava com o brilho alaranjado do cenário lá fora. O frio do ar condicionado fazia uma pororoca com o bafo tropical vindo de uma fresta da porta de vidro que deixei propositalmente entreaberta. Como se o mero sopro de calor e o aviso de "out of office" no email fossem suficientes para me fazer acreditar que, sim, eu estava de férias.

Depois do almoço fui capaz de me desvencilhar momentaneamente do meu computador, mas incapaz de me desconectar por completo. Sentada na canga de frente para o mar, sofria para deixar de lado o telefone ao ver as mensagens pipocando na tela. Os risos das crianças brincando no mar azul turquesa me chamavam. Eu checava as mensagens mais uma vez, guardava o aparelho na bolsa de praia e ia. "Agora chega de trabalhar", eu repetia para mim mesma em voz alta na tentativa de que as palavras soltas pelo ar me dessem força para cumprir a resolução. Em vão, molhada de água salgada ou com a pele coberta de areia, a cabeça seguia no modo trabalho, ocupada com prazos, emails, cobranças, perdida num lugar de luz fria e tela de brilho azul que nada se parecia com o cenário que me rodeava.

A imagem mostra duas crianças brincando na areia de uma praia. Um menino está à esquerda, vestindo uma camiseta verde e calções de banho, enquanto uma menina à direita, vestindo um maiô branco, está desenhando na areia. Ao fundo, há ondas do mar e algumas pessoas nadando. A praia tem uma costa rochosa visível à direita.
Crianças brincam em Sandy Beach, em Honolulu, no Havaí - Marco Garcia - 26.jul.2020/REUTERS

No segundo dia, enquanto tomávamos café da manhã todos juntos no hotel, peguei o telefone que se encontrava, como sempre, em cima da mesa ao meu lado, e abri a minha caixa de emails. Minha filha de cinco anos, sentada ao meu lado comendo seu ovo mexido, prontamente parou o que estava fazendo, colocou sua mão pequena sobre o braço que carregava o telefone e disse com olhos cheios de compaixão: "Mamãe, você pode tentar não trabalhar hoje?"

Meus olhos se encheram d’água. Com o coração espremido, respondi que sim, que tentaria e ela sorriu satisfeita com a resposta.

Ao voltar para o quarto de hotel para um pit stop a caminho da piscina, informei minha equipe e meu chefe que estaria desconectada ao longo do dia para aproveitar as minhas férias com a minha família. Mas fui incapaz de ir além disso, além do compromisso de ficar fora por 12 horas. Terminei o email com "mas estarei online à noite, portanto fique à vontade para enviar perguntas ou atualizações sobre os projetos em andamento".

Ao sentar em frente ao computador no fim daquele dia, depois de ter colocado as crianças para dormir, olhei para mim mesma e não pude evitar me sentir uma fraude. Lá estava eu, descumprindo o combinado que tinha feito horas antes, trabalhando na calada da noite, protegida pelo sono daquela menina de cinco anos que me pediu somente para estar de férias durante as minhas férias.

Voltei dos nossos dez dias de viagem exausta. A sensação era de que eu havia passado as férias trabalhando em dois turnos. Naquela mesma noite, deitada na cama, scrollando pelas notícias, me deparei com um artigo que parecia ter sido escrito para mim. Foi um daqueles momentos em que a vida parece tão roteirizada, tão "O Show de Truman", que a gente olha ao redor e procura a câmera escondida. O título dizia:

"Aos 40 anos, eu abri mão do meu emprego. Por que outras mulheres da minha idade estão fazendo o mesmo."

A verdade é que a minha geração cresceu ouvindo que o mercado de trabalho era um lugar de libertação para as mulheres. Crescer, ser bem-sucedida, ganhar dinheiro. Essa era a meta. Bastava estudar, trabalhar, entregar e, lá no fim do arco-íris, tinha um Olimpo de reconhecimento, conforto e estabilidade. Mas aos 40 estamos descobrindo que a promessa não passa de um conto de fadas.

Como bem ressaltava a matéria que me caiu como uma luva, estamos descobrindo que "ter tudo" significa também dar conta de tudo. Inclusive nas férias.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

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