João Wainer

Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

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Faz 29 anos que o Estado se igualou aos bandidos e nivelou a briga por baixo

Massacre do Carandiru, com o assassinato de 111 presos, provocou consequências nefastas que reverberam até hoje

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“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992”. A obra prima dos Racionais MC's "Diário de um Detento" lembra em seu primeiro verso a data da véspera do brutal assassinato de 111 presos na extinta Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero, conhecida como Carandiru.

No último sábado, dia 2, o massacre completou 29 anos e a cada novo aniversário ficam mais claras as consequências nefastas que essa ação provocou e que reverberam até hoje.

Corredor alagado de sangue dentro da Casa de Detenção de São Paulo
Corredor alagado de sangue no pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, após a intervenção da Polícia Militar - Niels Andreas/Folhapress - Niels Andreas - 2.out.92/Folhapress

Se os policiais que apertaram o gatilho e provocaram aquela carnificina pudessem imaginar que essa ação mudaria para sempre a dinâmica do crime não apenas no Brasil, mas no mundo, certamente teriam pensado duas vezes antes de iniciar a matança.

O crime brutal cometido pela polícia foi a gota d'água para que um grupo de presos pusesse em prática uma ideia que vinha sendo pensada desde a época da "Serpente Negra", primeira tentativa de organização de presos para reivindicar direitos básicos na cadeia.

A criação de uma facção criminosa que pudesse organizar os presos para enfrentar o Estado foi uma consequência direta do massacre do Carandiru, apesar de algumas autoridades até hoje negarem isso com veemência.

Se aproveitando da insatisfação geral da população carcerária que vivia em condições sub-humanas nos presídios estaduais e sob custódia de um governo que não cumpria a lei de execuções penais, o Primeiro Comando da Capital nasceu em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté e rapidamente dominou o sistema penitenciário.

Originalmente criado para lutar pelos direitos dos presos e organizar a vida na cadeia, o grupo aos poucos foi crescendo até se transformar no monstro que é hoje, um cartel internacional da droga maior até do que os famosos cartéis colombianos, que ao contrário dos tempos de Pablo Escobar, atualmente operam de maneira menor e mais discreta.

Hoje, no mercado da droga, os colombianos, em parceria com os mexicanos, fornecem toda a cocaína vendida para os Estados Unidos, maior mercado consumidor do planeta. Já os brasileiros, em sentido inverso ao de Cabral, cruzaram de volta o Atlântico e criaram um corredor perfeito para entupir de cocaína o velho continente. Dominaram a produção da droga na Bolívia e Peru, eliminaram os intermediários paraguaios na fronteira, controlaram o Porto de Santos e passaram a mandar todos os meses toneladas de cocaína para a Europa, sempre aos cuidados de sua principal parceira no negócio, a Ndrangheta, máfia italiana considerada a maior organização criminosa do mundo, responsável por distribuir o produto por vários países da Europa e mais alguns nos continentes africano e asiático.

A organização que foi fundada por oito presos em 1993 hoje tem mais de 30 mil membros e tentáculos no mundo todo. É impossível calcular o tamanho do faturamento dos criminosos, mas certamente estamos falando de cifras que de tão grandes passaram até a ser um problema para eles, afinal, não é fácil lavar tanto dinheiro assim e muitos têm sido presos em investigações da Polícia Federal focadas em movimentação financeira.

Há 29 anos, quem deu a ordem para a polícia entrar atirando com munição letal no presídio porque era véspera de eleição, achou que estava resolvendo o problema, mas quando o Estado, que deveria cumprir a lei, comete um crime tão brutal como esse, ele se iguala aos bandidos e nivela a briga por baixo.

Organizados, os presos fizeram a mega rebelião em 2002, quando 29 presídios se rebelaram ao mesmo tempo, atacaram o governo paulista em 2006 provocando o pânico nas ruas, assassinaram juízes, policiais, bombeiros, funcionários do sistema penitenciário, encheram as ruas de cocaína, dominaram presídios por todo o país e provocaram outras milhares de mortes nessas quase três décadas desde aquele fatídico primeiro de outubro de 1992 em São Paulo.

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