João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Pensando seriamente o planeta

Quando os conservadores desprezam as questões ambientais, eles cospem na própria história

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​Sem surpresa, o meu texto sobre o fenômeno Greta Thunberg despertou reações fortes nos leitores. Digo “sem surpresa” porque o assunto, ao contrário do que se pensa, não é científico; é emocional. Essa, aliás, era a tese da coluna —uma tese que os mails enraivecidos que recebi confirmaram plenamente. 

​Mas começo por esclarecer o básico: será que eu acredito no aquecimento global? A pergunta está mal formulada. O aquecimento global não é uma questão de crença; é um fato científico. 

De igual forma, é absurdo questionar se os seres humanos pós-Revolução Industrial dão um contributo importante para o efeito estufa. Está cientificamente provado que sim. 

Por último, é preciso cuidar do ambiente, encontrar formas energéticas mais limpas e, se possível, reverter este modo de vida baseado no consumo delirante e no desperdício permanente que envenena solos e mares? Só um alienado, que gosta de viver no meio do lixo, discorda da premissa. 

Por outras palavras: se essas três ideias –aquecimento global, antropogenia e necessidade de conservação ambiental– constituem a santíssima trindade da comunidade científica, eu estou com a comunidade científica.

Coisa diferente é Greta Thunberg, pelas duas razões apresentadas no texto. 

Primeira: por que motivo o mundo adulto escolheu uma menina sueca como símbolo das lutas climáticas? Ou, em alternativa, por que não um cientista com provas dadas? 

A resposta é religiosa e emocional: porque Greta atua diretamente no subconsciente cultural da civilização, apresentando-se como a criança messiânica que nos vem redimir a todos. 

O ponto dessa observação era alertar as almas crédulas, que se julgam inteiramente racionais e até pós-religiosas, que existe uma dimensão de idolatria no fenômeno. 

E a mensagem? Sim, e os alertas que Greta nos traz e que, segundo o meu estimado colega Marcelo Leite, mantêm a sua validade? 

Bom, se Greta se limitasse a constatar o óbvio –uma vez mais: aquecimento global, antropogenia e necessidade de conservação ambiental– não haveria nada mais a dizer. “Je suis Greta”. 

Mas o meu desconforto está no radicalismo simplista das suas soluções, reunidas no livro “No One Is Too Small to Make a Difference”. Greta não quer apenas combater o aquecimento global pela redução das emissões de gás carbônico. 

Ela quer o fim imediato da economia carbonizada, o que significa, para início de conversa, privar a civilização dos exatos instrumentos de que podemos precisar um dia para viver em ambiente hostil. Isso, claro, se os piores cenários se verificarem. 

Mas se o radicalismo de Greta não me convence, o que podemos nós fazer, meros mortais, perante um problema real? 

Um livro já publicado no Brasil pode ajudar ao debate. O título é “Filosofia Verde: Como Pensar Seriamente o Planeta” (É Realizações). O autor é Roger Scruton.

 Filósofo Roger Scruton durante debate Fronteiras do Pensamento, em São Paulo
Filósofo Roger Scruton durante debate Fronteiras do Pensamento, em São Paulo - Greg Salibian/Folhapress

O livro de Scruton tem vários méritos. Mas o primeiro deles está na forma como desfaz a caricatura habitual de que os conservadores não querem saber das questões ambientais para nada. 

Fato: muitos deles contribuem para essa caricatura com suas proclamações ignaras e boçais. 

Mas a história ensina-nos o contrário: “conservar” é um verbo especialmente importante para um conservador. E, em matéria ambiental, eles sempre declinaram esse verbo com especial intensidade. 

Scruton relembra-nos os “tories” ingleses que estiveram na linha da frente contra a degradação ecológica trazida pela Revolução Industrial no século 19. O mesmo sucedeu, em contexto americano, com os Southern Agrarians (lembrar a poesia de Allen Tate) no século 20. 

E, na França, como esquecer o conservadorismo do “pays réel” que ainda hoje encontra expressão em revistas contemporâneas (e conservadoras) como a “Limite”, que se apresenta como uma “Revue d’Écologie intégrale”? 

Quando os autoproclamados conservadores de hoje desprezam ou parodiam as questões ambientais, eles estão a cuspir na sua própria história. 

Pior: eles parecem muitas vezes imitar a atitude de soberba e descaso com que os “paraísos socialistas” tratavam do ambiente. Se o capitalismo sem regras destrói o patrimônio ecológico, será preciso recordar o que a União Soviética ou a China fizeram nesse quesito? 

Roger Scruton tem inteira razão quando afirma que o conservadorismo procura conservar a “ecologia social” de um povo. Nessa ecologia, estão as leis, os costumes, as instituições; as liberdades civis, políticas, econômicas; mas também os recursos naturais e, por que não, a mera possibilidade de existir beleza no mundo. 

Mas Scruton vai mais longe e formula a questão central: o que leva as pessoas a cuidarem do ambiente? 

Se o leitor pensa que é o medo da extinção, essa espécie de neo-hobbesianismo que clama pelo seu Leviatã, desengane-se: o planeta é uma entidade demasiado abstrata para mobilizar as pessoas comuns. 

Mas o ar que respiramos; a qualidade do rio que corre nas nossas cidades; a devastação da nossa fauna e flora por políticos ou empresários corruptos são assuntos próximos, tangíveis, nossos. 

Para Scruton, os seres humanos conservam o que amam e amam o que lhes é familiar. Isso significa que a luta pelo ambiente começa localmente, nacionalmente, pela sensibilização e mobilização da sociedade civil (os “pequenos pelotões” de que falava Burke) – e não com os esquemas megalômanos, globais e obviamente impraticáveis que as Gretas deste mundo pretendem. 

O que não significa que, mesmo a um nível local, essa mobilização será fácil. Não será –e aqui reside a terceira grande observação de Scruton: a cultura moral vigente, que se ergueu sobre um narcisismo individualista aterrador, foi destruindo as velhas noções de dever, obrigação ou até sacrifício de que mais precisamos agora. No fundo, as virtudes “reacionárias”, certo? 

Nas palavras de Scruton, o tempo presente testemunhou “o triunfo do desejo sobre a contenção”. Como vender a ideia de que é preciso pensar nas gerações futuras –uma ideia profundamente conservadora– quando o culto do ego e o desprezo pelo patrimônio dos antepassados se converteu em mandamento quase divino da pós-modernidade? 

As questões ambientais começam por ser questões morais “antiquadas”. Sem enfrentá-las como tal, as proclamações da ciência, por mais graves que sejam, dificilmente serão escutadas.

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