João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Ser chamado de comunista e esquerdista é original para meu currículo

A direita trocou as virtudes da individualidade pelos confortos do tribalismo e do messianismo a partir de 2016

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O extremismo político tomou conta do palco, à esquerda e à direita, e eu confesso que ri com o artigo de Colin Wright no Wall Street Journal. Conta o autor que ficou feliz quando Elon Musk compartilhou no Twitter o seu cartum, embora Colin tenha recebido "hate mail" em quantidades industriais.

O cartum, aparentemente inofensivo, é esse mesmo que você pode ver aqui:

Desenho com três linhas bicolores, nas cores azul e vermelho, representando os anos de 2008, 2012 e 2021
Cartum de Colin Wright sobre o movimento do espectro político nos últimos anos - Colin Wright

Explico. Em 2008, Colin Wright definia-se como de centro-esquerda. Os seus companheiros "liberais", no sentido americano e progressista do termo, estavam um pouco mais à esquerda, "ma non troppo".

As coisas começaram a mudar em 2012, quando os "liberais" começaram a correr para os extremos, arrastando o chão com eles. Colin, esse, ficou no mesmo lugar, com as mesmas ideias. Mas, agora, estava muito próximo do centro.

Em 2021, não havia dúvidas, o autor estava à direita do centro. Não porque mudou de camiseta, mas porque o ambiente mudou –e os "liberais" de ontem, ou uma parte significativa deles, mergulharam no "wokestão", esse charco onde a liberdade de expressão é um perigo, o tribalismo é mais importante do que a justiça cega para todos, e os direitos das mulheres são menos importantes do que os direitos daqueles que se declaram mulheres.

Ri alto com o cartum de Colin Wright porque, seguindo a sua sugestão, eu próprio resolvi desenhar o meu cartum. Peço desculpa pelos meus talentos limitados, mas deu isso aqui:

Cartum no qual foram desenhadas suas linhas que representam o espectro político, entre esquerda e direita, do colunista João Pereira Coutinho, sendo uma delas assinalada com a data pré-2016, e a outra pós-2016
Ilustração de João Pereira Coutinho baseada no cartum de Colin Wright - João Pereira Coutinho

Quer que eu explique?

Sempre fui um conservador liberal, para quem a busca de perfeição política é uma quimera perigosa e a confiança cega na natureza humana é um erro epistemológico.

Isso tem implicações: a recusa do radicalismo político, seja revolucionário ou reacionário, e a preferência por uma forma de governo limitada pela lei nunca me abandonaram.

Como diz um ilustre colega meu, evocando a imagem de Ulisses e das sereias, quero um político bem atado ao mastro do navio, e que ele não vá ceder aos encantos do abuso, da corrupção ou da arrogância.

Porque são os indivíduos, livremente, que devem procurar, acertar ou falhar por sua conta e risco. Nesse processo de busca da individualidade, as tradições têm um papel relevante. Não como imposição dogmática de valores ou condutas, mas como patrimônio que pode ajudar à construção de um caráter.

Com a devida vênia ao filósofo, as tradições são como uma língua: convém entender as regras, embora isso nada nos diga sobre o conteúdo do que podemos ou devemos dizer.

Fatalmente, tudo mudou em 2016, com a eleição de Donald Trump. Uma parte substancial da direita entregou-se a uma espécie de "wokismo" do avesso, trocando as virtudes da individualidade pelos confortos do tribalismo, do messianismo e da dogmática.

É a mesma direita, aliás, que aparece regularmente no meu email para me denunciar como esquerdista enrustido, falso conservador, globalista e até comunista, o que não deixa de ser uma originalidade no meu currículo. Essa turba voltou a emergir recentemente, depois de uma entrevista minha ao programa Roda Viva, para me acusar de todos os crimes ideológicos.

Perdoo-lhes, porque eles não sabem o que fazem. Nessas 45 primaveras, estive sempre no mesmo lugar. O que mudou foi o chão que pisamos.

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