Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O Brasil pode ensinar o mundo, mas só se fizer a lição de casa

O início da nova década serve como reinício psicológico: por que amamos nosso país? Ou ainda: vale a pena amá-lo?

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Em 2022 o Brasil completará 200 anos de sua independência. E votará mais uma vez para escolher seu futuro. Entre esta terra arrasada que é 2020 e a data simbólica e decisiva, temos 2021. O início da nova década serve como reinício psicológico para nos repensar e nos redescobrir: por que amamos nosso país? Ou ainda: vale a pena amá-lo?

O patriotismo está supostamente em alta. Por trás do kitsch bolsonarista que pinta cada milímetro de nosso campo de visão com as cores da bandeira, contudo, pressente-se profundo desprezo e o desejo de serem americanos. O exagero neurótico do símbolo revela a ausência da coisa real.

Para a direita, o Brasil é o país da corrupção, da preguiça e do “jeitinho” (no mau sentido do termo). Carecemos da ética protestante, não temos instituições impessoais, não temos capitalismo e nem cultuamos o ideal de uma meritocracia competitiva como a mais alta realização. Um país comodista, indolente e corporativista. Se for direita religiosa, é também o país marcado por práticas pagãs, pelo sincretismo e pelos horrores da libertinagem e do Carnaval. Bolsonaro teria vindo para limpar tudo isso.

Mas a esquerda também não morre de amores pela pátria mãe gentil. Em seu livro mais recente, “Em Busca da Nação”, o intelectual baiano Antonio Risério assinala como, dos anos 1970 para cá, vimos trocando a História oficial, ufanista, laudatória dos grandes feitos e heróis da nação, por uma contra-história, tão falsificada quanto a anterior, mas com sinal trocado. Para a narrativa da esquerda atual, o Brasil é o país mais racista, mais machista e mais homofóbico do mundo. Nossa história se resume a pouco mais que uma série de genocídios perpetrados pela elite, que aliás é a pior do mundo.

Proponho que, justo naquilo que vemos como nossos maiores defeitos, escondem-se virtudes. O Brasil é o país do conchavo e da corrupção? Em parte, sim. Mas justamente por ser o país da política: o país em que a capacidade de negociar diferentes interesses vem antes dos credos ideológicos e religiosos de cada um.

Foi essa capacidade política para além da ideologia que já nos salvou dos maiores riscos antidemocráticos do bolsonarismo. Pena que foi a má política. A política que sabe negociar e compor, mas pensando apenas em interesses partidários, nunca no país. Antes ela, contudo, do que um regime de terror da extrema direita movido a teorias da conspiração.

O Brasil é um país marcado pelo racismo e pela desigualdade? Sem dúvida. Mas é também o país que aponta para a solução futura do racismo: a miscigenação. Em vez de grandes identidades coletivas em guerra perpétua, cada uma no seu gueto, temos o degradê de cores e a mistura que vigora no povo. Falta ser levada ao topo de nossa pirâmide.

Vamos superar a maré de burrice e ódio que varreu o país em 2018. Invariavelmente, a saída passará pela política e pela união dos diferentes. O Brasil tem uma extensa pauta de desigualdades e preconceitos a vencer. Tem também uma agenda de modernização econômica que, longe de se opor àquela, é sua condição necessária. Ao mesmo tempo, num mundo que se deteriora em polarização ideológica, ódios identitários e extremismo religioso, o Brasil tem algo a ensinar na habilidade política e na arte da mistura. Mas precisa aplicar essa lição em casa antes. 2022 será o momento de decidir. Em 2021, quem sabe, podemos começar.

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