Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Por que homenagear os bandeirantes?

Erguer novas estátuas parece mais importante do que derrubar velhas

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Uma estátua a mais ou a menos não muda nada na vida de uma cidade. No entanto, a discussão acerca de quais estátuas derrubar nos diz muito sobre como nos vemos e como queremos ser.

As homenagens aos bandeirantes —como a estátua do Borba Gato, incendiada no sábado— estão por toda a parte em São Paulo e em outros estados. Nesses casos, é comum defender figuras do passado alegando que, em sua época, a moral era outra. Qual imperador romano não seria, com razão, visto como um monstro pelos padrões de hoje? No caso dos bandeirantes, contudo, a coisa é ainda mais complicada.

Os bandeirantes, também chamados de “mamelucos” (pela mistura racial) ou simplesmente de “paulistas”, eram malvistos por muitos em seu próprio tempo. Verdadeiros demônios para os jesuítas e para os indígenas que viviam em missões, considerados “gente bárbara, indômita e que vive do que rouba”, segundo um governador de Pernambuco falando do bando de Domingos Jorge Velho, excomungados pela Igreja e de relacionamento difícil com a Coroa.

Eram o horror do mundo civilizado e da moral cristã. Em busca de escravos e metais preciosos, capturaram e mataram muita gente.

Foram também eles que desbravaram matas e sertões, fundaram cidades, ergueram igrejas e ajudaram a desbravar e conquistar o atual território brasileiro. É graças a eles que não somos uma fina nação costeira e que nos estendemos muito além da linha de Tordesilhas. Bons ou maus, devemos muito a esses homens que se lançavam na mata por meses, sem saber se iriam voltar.

Saiamos da dicotomia enganosa do “branco malvado vs indígena e negro virtuosos”, promovendo a ficção de que portugueses eram moralmente inferiores aos indígenas ou africanos que escravizaram, quando na verdade eram apenas mais poderosos belicamente.

Os bandeirantes eram escravagistas dentro de um mundo escravagista, no qual a defesa da abolição universal era a exceção da exceção, mesmo entre negros ou indígenas.

A própria categoria “indígena” mais esconde do que revela, assim como o nome “europeu”. Havia europeus que se odiavam e guerreavam até a morte —como portugueses e holandeses aqui no Brasil, aliando-se a diferentes grupos indígenas. Os bandeirantes, quando não mamelucos eles próprios, iam acompanhados de milhares de indígenas aliados. Falavam mais língua geral do que português. No caso de Borba Gato, chegou mesmo a viver entre os índios por quase duas décadas.

Os grandes feitos da política, da guerra, da ciência ou da inteligência nem sempre —ou talvez quase nunca?— vêm acompanhados de perfeita correção moral. A negação moralista da história apaga tudo que não é clara e inequivocamente bom. A mesma lógica se faz valer em vozes da direita que querem apagar qualquer homenagem a Lênin, Che Guevara, Marx, os revolucionários franceses etc., ou a insistência de alguns liberais de apagar homenagens a Getúlio Vargas.

E se, ao invés de destruir, pensássemos em criar? Em Montgomery, Alabama, uma solução criativa está sendo implementada. Próximo à estátua de J. Marion Sims, pioneiro da cirurgia ginecológica, mas que realizou procedimentos experimentais em escravas sem o uso de anestesia, serão erguidos monumentos a três de suas vítimas cujos nomes foram registrados: Anarcha, Betsey e Lucie. Quantas figuras admiráveis, como o ex-escravo e abolicionista Luiz Gama, não permanecem esquecidos pela memória popular? Erguer novas estátuas me parece mais importante do que derrubar velhas.

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