Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Descrição de chapéu LGBTQIA+

Crianças trans existem; o que você fará com elas?

Preconceito causa violência e dor desnecessária às famílias

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Joel Pinheiro da Fonseca

Não entendemos direito por que algumas pessoas não se identificam com o gênero que corresponderia a seu sexo biológico. Mas o fato é que essas pessoas —pessoas trans— existem e, até onde sabemos, sempre existiram e sempre existirão. Em alguns casos, essa identificação com o gênero trans começa já na infância. Assim, crianças trans existem. Não temos como mudar esse fato. O que podemos escolher é como elas serão tratadas: com aceitação ou marginalização; acolhimento ou surra de cinta.

Há crianças nascidas com o sexo masculino que desde sempre se veem e se afirmam como meninos. É o comum. Mas há também uma pequena minoria que, por algum motivo, se vê como menina, e só encontrará paz quando conseguir ser reconhecida dessa maneira. A Parada do Orgulho LGBT gerou reações indignadas por ter um bloco com um cartaz que reconhece isso: "crianças trans existem".

Participantes exibem cartaz com a frase 'Crianças trans existem' durante a 27ª edição da Parada do Orgulho LGBT+, na avenida Paulista, em São Paulo - Eduardo Knapp - 11.jun.23/Folhapress

A indignação está em larga medida equivocada. Argumenta-se, por exemplo, que a criança é jovem demais para tomar decisões definitivas. Imaginam que reconhecer que existem crianças trans seja propor intervenções cirúrgicas desde cedo para fazer a mudança de sexo. Até onde eu saiba, ninguém defende isso.

Não se faz nenhuma intervenção médica —muito menos cirúrgica— numa criança que tenha identidade trans. A intervenção mais precoce que se pode fazer é um tratamento reversível, no início da adolescência, para retardar a puberdade do indivíduo trans enquanto ele passa pelo aconselhamento psicológico para saber se deve ou não deve iniciar um tratamento hormonal mais à frente. E a famosa cirurgia de mudança de sexo, essa só na idade adulta mesmo.

Crianças mudam. Embora incomum, há aquelas que se viam como de um gênero e que, anos depois, se identificarão com outro. Esse processo pode contar com afirmação e apoio psicológico ou pode receber apenas negação e violência dos pais e cuidadores. Está bem claro de que lado estão aqueles que se negam a reconhecer a existência dessas pessoas.

Há, ademais, uma crítica política que tem sido feita à manifestação: se o objetivo é aumentar a aceitação social de crianças trans, um ato que é facilmente lido como provocação pelo grande público conservador —que não está sequer familiarizado com os termos dessa questão complexa (trans, cis, gênero, sexualidade etc.)— talvez não seja a escolha mais estratégica.

É crítica que poderia ser feita a um defensor do livre pensamento na época da Santa Inquisição. Afirmar sua falta de fé ali geraria uma reação contrária violenta e em nada cooperaria para aumentar a tolerância. Não seria nada estratégico. Pode ser. Mas também temos que lembrar que, se a realidade reprimida não aparece, aí é que ela nunca será tolerada.

A bem da verdade, não faltariam reações violentas à Parada do Orgulho LGBT mesmo sem o tal bloco. Diversos políticos e influenciadores de direita publicaram fotos de supostos absurdos ocorridos na Parada que, na verdade, nem sequer ocorreram no Brasil. O desejo de agredir a população LGBT sempre que se afirma em público fala mais alto do que o compromisso com a verdade factual mais básica.

O preconceito é um fato. Traz muita violência e muita dor desnecessária às famílias. A esperança é que, com a existência pública da população LGBT, ele vá cedendo aos poucos. Seja como for, com ou sem preconceito, indivíduos trans continuarão a existir.

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