Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

As redes sociais são para Bolsonaro o que o cinema foi para Hitler

O uso de desinformação foi a tônica do grupo do ex-presidente desde a campanha de 2018

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A reportagem de Juliana Dal Piva e da Agência Pública ("Eduardo Bolsonaro foi em missão oficial ver argentino que mentiu sobre urna"), publicada nesta segunda no portal UOL, veio em boa hora; boa hora para lembrar que o Brasil sofreu uma tentativa de golpe contra seu sistema eleitoral.

O lado bolsonarista partia de uma certeza: se perdessem, é porque as eleições foram roubadas. Faltava apenas encontrar uma história convincente. Descredibilizar as urnas era parte do plano. Era preciso ter alguma narrativa que justificasse o desrespeito ao resultado das eleições, e uma parte relevante da população que apoiasse essa narrativa. Qual mentira ia colar era o de menos; o importante era que alguma colasse.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, em evento no Planalto, em 2021 - Evaristo Sá - 29.jun.21/AFP

Esse trabalho começou antes das eleições, com os relatos do próprio Bolsonaro de que um hacker adulterara os resultados do primeiro turno em 2018. Passou pela acusação de sua equipe de comunicação de que rádios interioranas não veiculavam as inserções de campanha.

Uma vez perdida a eleição de 2022, começaram as teorias de fraude nas urnas. Houve um modelo matemático que "provava" que os números de votos eram falsos, e houve também o ilustre "relatório do argentino", com o (suposto) especialista Fernando Cerimedo.

Era tudo invenção, claro, mais uma vez refutado pela Justiça Eleitoral e pela imprensa em questão de dias, o que não impediu de as mesmas teses serem requentadas pelo PL no malfadado processo que resultou numa multa de R$ 22 milhões ao partido.

Cerimedo, o argentino, não era especialista nenhum, e sim um comunicador político alinhado à direita populista e amigo de Eduardo Bolsonaro, que fez viagem oficial para conversar com ele, conforme revelado na reportagem.

Em paralelo a isso, corria a tentativa de persuadir generais a dar o golpe, apelando a uma leitura fajuta do artigo 142 da Constituição, conforme o coronel Jean Lawand pediu com tanta ênfase ao ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

Por não confiar no Alto Comando do Exército —ao menos essa foi a justificativa de Cid— Bolsonaro não deu a ordem para o golpe. O passo de desespero final, nas palavras de Lawand, era o povo entrar em campo: "Então ferrou. Vai ter que ser pelo povo mesmo". E "o povo" bem que tentou, no dia 8 de janeiro, provocar uma reação das Forças Armadas que, felizmente, não veio.

Mas aquele povo ali, milhares de pessoas completamente fanatizadas pelo discurso bolsonarista, não brotou do nada. Foi o resultado de um longo trabalho de redes sociais.

O uso de desinformação digital foi a tônica do bolsonarismo desde a campanha de 2018, que inundou o debate eleitoral de mentiras e fake news numa escala jamais vista. Uma vez no governo, as táticas se intensificaram. Milícias digitais que produziam e difundiam conteúdo calunioso contra opositores. "Troll farms", empresas que controlam milhares de perfis em redes sociais para manipular o debate público, criando uma impressão de onipresença da opinião artificialmente impulsionada. O receituário foi o mesmo no mundo todo. Mesmo tendo derrotado o golpe, pagamos o preço ainda com um eleitorado fanatizado e descrença generalizada em toda e qualquer instituição.

O cinema, nas mãos da máquina de propaganda de Hitler, teve um poder que ele hoje jamais poderia ter. Aquela linguagem já se tornou parte de nosso repertório. Haverá alguma regra geral de que os mais inescrupulosos são mais rápidos em dominar novas tecnologias? Estamos ainda aprendendo a digerir essa nova realidade. E mapear as condutas mais danosas para neutralizá-las é parte desse aprendizado.

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