Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Um perigoso sentimento surgiu em mim: será que o Brasil pode dar certo?

Sensação começou ao ver a aprovação na Câmara da Reforma Tributária

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Um sentimento estranho, perigoso, começou a se esgueirar em meu peito nessa última semana. Teve a ver com a aprovação na Câmara de uma Reforma Tributária cuja necessidade e teor se discutem há 30 anos e que por tanto tempo foi tida por impossível.

Some-se à aprovação outras possibilidades auspiciosas: inflação sob controle e consequente queda paulatina dos juros; marco fiscal aprovado dando previsibilidade para a trajetória dos gastos públicos nos próximos anos; desmatamento da Amazônia caindo paulatinamente, mostrando ao mundo que o compromisso ambiental brasileiro é real; aprovação do acordo UE-Mercosul, abrindo nosso país aos ganhos de troca e aos investimentos europeus.

É cedo para cravar o sucesso desses pontos. Cada um deles pode desandar facilmente, inclusive a reforma. E, no entanto, o sentimento cochicha: e se tudo der certo?

Câmara durante votação da Reforma Tributária - Gabriela Biló - 6.jun.23/Folhapress

Se, de fato, se concretizarem, o Brasil estará posicionado para crescer e receber investimentos. E isso num momento em que o mundo está mais instável, a inflação está em alta, Rússia, China e Índia cada vez mais imprevisíveis. Num mundo assim, uma nação em desenvolvimento politicamente estável, fazendo sua lição de casa econômica, tomando a dianteira no debate ambiental e distante de conflitos militares torna-se ainda mais atrativa.

Se der tudo certo, Haddad terá um histórico de políticas liberais superior ao de Paulo Guedes. Somemos a esse panorama econômico ainda possíveis melhoras na educação básica —com a universalização do ensino em tempo integral— e da saúde, com a retomada dos números da vacinação; e o perigoso sentimento já exige ser nomeado: a esperança.

É improdutivo discutir o quanto disso tudo é mérito do Lula, salvo para afastar as duas posições extremas e obviamente falsas: a de que Lula é um grande sortudo que não tem nada a ver com as boas notícias e a de que Lula é o "craque do jogo" cujo toque mágico resolve todos os problemas.

Lula teve sorte? Olha, alguns desses fatores realmente não se devem à ação dele: a reforma veio do Congresso, o controle da inflação foi obra do Banco Central, que trabalhou à revelia do governo. O crescimento econômico puxado pelo agro ajuda a manter a agenda nos trilhos.

O papel do Congresso, aliás, nunca foi tão central: nosso Legislativo federal não é mera massa passiva esperando ser moldada pelo governo. Tem uma agenda reformista de centro-direita e parte de seu mérito não é só levar adiante essa e outras reformas, como barrar más ideias que venham do governo: retrocesso no marco do saneamento, reversão de privatizações, interferência no Banco Central. Todos esses ímpetos têm sido derrubados.

Mas o próprio governo também fez sua parte: a Reforma Tributária andou porque o governo a priorizou; o novo marco fiscal foi produto da equipe econômica atual; a nova projeção do Brasil no mundo focando o meio ambiente também é obra do governo. Os novos aportes ao Fundo Amazônia, embora ainda pequenos, já mostram o avanço inegável.

Para equilibrar as expectativas, não ignoremos também as áreas do governo das quais podem vir notícias não tão boas: a política de preços nebulosa da Petrobras; o possível uso dos bancos públicos para alavancar o crescimento via crédito, que segue como promessa/ameaça. Como dito, cada um dos pontos positivos elencados ainda pode desandar. É um risco criar grandes expectativas. Mas, ao menos neste momento, é impossível não sentir aquele perigoso sentimento: a esperança de que o Brasil pode dar certo.

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