Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Descrição de chapéu Argentina América Latina

Milei e os prós e os contras da ideologia libertária

Olhemos para o que ele traz em termos de ideologia e programa, ao contrário de Bolsonaro, ele os tem

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Vamos deixar de lado as bizarrices de Javier Milei. Olhemos para o que ele traz em termos de ideologia e programa. Ao contrário de Bolsonaro, ele os tem. Para mim é duplamente curioso, porque o meio anarcocapitalista e libertário é de onde eu vim. Os autores que Milei cita —Mises, Rothbard, Friedman— são os autores que eu lia e discutia ativamente na minha formação.

Hoje não sou mais um libertário, e sim um liberal. Vejo a atitude revolucionária de querer abolir o Estado, suas garantias e suas leis como algo que reduziria a liberdade da maioria. Estado e mercado precisam um do outro.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, discursa após vencer eleição
O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, discursa após vencer eleição - Luis Robayo - 19.nov.23/AFP

O próprio Milei, diga-se, é o primeiro a admitir —por exemplo, em sua extensa entrevista para a The Economist em 04 de setembro— que não tentará abolir o Estado. Deixará a parte "anarco" de sua ideologia como uma utopia imaginária, não um plano de governo.

O que ele pretende fazer concretamente é reduzir gastos públicos em 15% do PIB, déficit primário zero já no primeiro ano, reforma trabalhista extensa, privatizações a rodo, abertura comercial unilateral e, é claro, a dolarização.

O mérito da agenda libertária é dar um tratamento de choque na economia que a deixe mais eficiente. Um dos perigos é cortar no lado mais fraco: corte de gastos sociais e negligência dos serviços públicos de que os mais vulneráveis dependem. Milei garante que não fará isso. Os próprios países que Milei cita como inspiração —Irlanda, Austrália e Nova Zelândia— têm Estados que investem no social. Os três têm, por exemplo, saúde gratuita ou fortemente subsidiada para todos. Dá para confiar? Em breve saberemos.

No lado político, Milei, no discurso de vitória, não só não falou em eliminar a oposição ou fazer caça às bruxas, como adotou a linha oposta: "Todos aqueles que querem somar à nova Argentina serão bem-vindos. Não importa de onde vieram, não importa o que fizeram antes, não importa que diferença tenhamos". Isso é positivo. Mas é óbvio que a oposição virá forte no Congresso e em grupos da sociedade civil.

Caso alguma das suas propostas centrais seja inviabilizada pelo Congresso, ele já anunciou que fará plebiscitos. E para isso ele precisará manter a popularidade em alta.

A chance de tudo dar errado é enorme. A parte central da proposta de Milei, a dolarização —ou melhor, o fim do Banco Central Argentino e a livre circulação de moedas no país— pode dar errado já no início. Economistas discutem o quão factível é acabar com o peso sem que o governo tenha reservas de dólares. Se não conseguir um mínimo de confiança do mercado e provocar corrida bancária, a convulsão social pode já forçá-lo a sair do poder.

Idem para o fim de subsídios para serviços públicos, ou uma privatização mal feita que encareça ou piore o serviço; pautas que podem enfurecer uma parte expressiva do eleitorado. É fácil ser a favor de cortes no papel, difícil é quando os cortes chegam no seu bolso.

Ou seja, é uma opção de alto risco para os argentinos, mas compreensível quando lembramos que o "baixo risco" era se resignar à catástrofe econômica e social. Boa sorte aos hermanos!

Concorde-se ou não com sua agenda, a eleição de Milei guarda uma lição. A direita atual, a direita que cresce, não é tecnocrática; ela parte de uma visão moral que empodera os indivíduos e busca fazer sentido para o cidadão comum; seja na versão libertária, seja na reacionária. A esquerda ainda não tem uma resposta à altura. Apelar para o medo de desmantelar o sistema vigente, quando esse mesmo sistema está em xeque na opinião pública, não a levará muito longe. O povo tolera muita bizarrice em nome de um sonho.

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