Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Javier Milei e a imprensa

Rotular presidenciável como de 'extrema direita' mais confunde do que informa

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Se tem um país cujo povo está justificado em querer varrer o establishment para longe, esse país é a Argentina. São décadas de decadência que tanto a esquerda quanto a direita só fizeram agravar. Hoje, com inflação a 115%, juros a 118% ao ano e miséria galopante, a escolha por alguém com uma proposta econômica simples, radical e revolucionária —e que promete desbancar as elites políticas e tecnocráticas que governaram pelas últimas décadas— fica bem compreensível.

E é isso que Javier Milei, vencedor das primárias e favorito para a eleição, representa. Ele se define como "anarcocapitalista", ou seja, a versão mais radical da defesa da propriedade privada, da autodeterminação individual e da livre iniciativa. Defende dolarização da economia, abertura econômica unilateral, legalização das drogas.

O candidato à Presidência da Argentina, Javier Milei, em discurso em Buenos Aires, capital do país, após liderar as eleições primárias
O candidato à Presidência da Argentina, Javier Milei, em discurso em Buenos Aires, capital do país, após liderar as eleições primárias - Alejandro Pagni - 13.ago.23/AFP

Essa posição pode estar errada, pode ser desastrosa se colocada em prática; tudo isso é discutível. Mas ela é objetivamente diferente da defesa de um Estado militarizado e nacionalista, altamente repressor, que busca subsumir as vontades individuais num projeto totalizante da cabeça do grande líder.

É no mínimo questionável, portanto, que um mesmo termo —"extrema direita"— seja usado para definir ambas em diversos veículos de imprensa. (Não é o caso da Folha, que tem optado por "ultraliberal", rótulo que, aí sim, o descreve com mais precisão e exclui confusões com outros grupos).

Descrever o posicionamento de políticos em um rótulo é um expediente necessário para dar um entendimento imediato ao leitor, um mapa muito básico de como cada um se coloca nas questões que interessam ao país. Esses rótulos sempre serão imprecisos, isso é inevitável. O que eles não devem ser, no entanto, é parciais, escamoteando a preferência política do veículo no que deveria ser uma descrição objetiva.

Numa discussão puramente filosófica ou técnica os nomes não importam, basta que haja acordo quanto a suas definições. Tanto faz se chamamos a um político de "direita", "centro-direita" ou "extrema direita", desde que esses termos estejam bem definidos. No debate mais amplo, com a sociedade, os nomes importam e muito. Cada um carrega consigo toda uma gama de associações e sentimentos na alma do público; sentimentos que serão mobilizados no momento de se fazer escolhas.

É um vício intelectual bem brasileiro confundir rotulagem com refutação. Aplique-se um rótulo que fixa o objeto no campo do mal e você já o terá desqualificado de antemão. Não há jeito mais simples e direto de fazer isso do que associar alguém a Hitler. O rótulo "extrema direita" cumpre esse papel, mesmo que seus alvos não se assemelhem a Hitler; não sejam racistas, antissemitas, nacionalistas, militaristas, antidemocráticos, antiliberais, etc.

Assim, o uso de "extrema direita" para descrever Milei dá a impressão de que o veículo está contra o candidato. Hoje, quando diversas narrativas antagônicas competem em pé de igualdade, a estratégia de desqualificar pelo rótulo é transparente. Ela persuade leitores satisfeitos com o sistema a rechaçar o candidato sem pensar duas vezes, mas gera nos demais o sentimento contrário: o de que o veículo está fazendo o jogo do "sistema" que os eleitores de Milei querem derrubar. Na tentativa de desmerecê-lo como se fazia antigamente, acaba por fortalecer sua narrativa e intensificar a revolta que a alimenta.

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