Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia

Putin só vai parar quando for parado

O saldo da guerra é favorável à Rússia, que tem lentamente vencido

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A vitória com 88% dos votos na eleição presidencial na Rússia neste domingo serviu como um lembrete de que, após dois anos de guerra, Putin não só não foi derrubado como está mais forte do que nunca.

As eleições foram livres e justas? É claro que não. Mas alguém defende a sério que ele perderia nas urnas caso deixasse uma oposição real concorrer? Perseguir opositores e manipular os votos de forma descarada mesmo quando isso é desnecessário fortalece ainda mais o regime. O recado é simples: o poder de Putin é tamanho que não vale a pena sequer esboçar uma oposição. Não há qualquer esperança.

Vladimir Putin participa de evento em Moscou para comemorar os 10 anos da anexação da Crimeia, nesta segunda-feira (18) - Natalia Kolesnikova/AFP

Com dois anos de guerra, há pelo menos algumas boas notícias: a Ucrânia não caiu rapidamente como alguns previam, a Rússia sofreu perdas consideráveis no mar Negro, de forma que a Ucrânia conseguiu restabelecer seu comércio marítimo. Países antes neutros —Estônia, Finlândia, Suécia— agora integram a Otan, a única saída segura para quem valoriza sua independência. A Europa conseguiu se livrar da dependência no gás russo, e parece que, finalmente, percebeu que precisa ser mais ativa em sua própria segurança.

De resto, contudo, o saldo é favorável à Rússia, que tem lentamente vencido a guerra terrestre. As sanções econômicas tiveram impacto muito aquém do esperado, devido à facilidade em comerciar com o Sul Global (inclusive o Brasil) e à disposição de empresas chinesas a substituir as ocidentais dentro da Rússia.

Se essa vitória se concretizar, a lição é clara: vale a pena usar da força para realizar suas ambições. O Ocidente assiste passivo enquanto a ordem mundial liberal se esfacela.

Sairemos de um mundo baseado na autodeterminação dos povos dentro de uma estrutura (sempre imperfeita) de defesa dos direitos humanos e da diplomacia para um em que vale a lei do mais forte de pegar, violentamente, o que considera seu.

Não deveria ser um tema polêmico para quem mora no mundo democrático. Só franjas extremistas à esquerda e à direita não percebem que a própria liberdade de defender suas loucuras existe apenas graças à ordem democrática e liberal contra a qual militam. Assim, assisto a uma entrevista do filósofo de esquerda Slavoj Zizek ao jornalista inglês Piers Morgan e concordo com cada palavra: Putin é um ditador sombrio e teocrático e não vai parar enquanto não for parado. "Quanto mais o mundo democrático tolerar as ofensivas russas, pior será o confronto final."

Aqui, da América do Sul, podemos olhar para o conflito com o conforto de que não seremos diretamente atingidos por bombas e balas. Mesmo assim, é uma ilusão pensar que ele não nos afeta. A neutralidade simpática às ambições russas semeia a ruína do mundo de diplomacia e comércio no qual podemos prosperar.

Xi Jinping aguarda um momento propício para atacar Taiwan. Maduro assiste com interesse a descoberta de novas reservas de petróleo na Guiana. O regime do Irã sonha com varrer Israel do mapa. Em Israel, a extrema direita procura subterfúgios para varrer a Palestina. Um mundo com ONU inoperante e EUA omisso não seria um mundo de paz, harmonia e prosperidade, e sim um mundo com mais opressão, mais violência e muito menos direitos humanos.

Um mundo, aliás, para o qual o Brasil não está nada preparado. Não temos como determinar o lado vencedor. Mas poderíamos —deveríamos— apoiar o lado certo.

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