Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Jorge Abrahão
Descrição de chapéu sustentabilidade

Meio ambiente: responsabilidades comuns, porém diferenciadas

Relação dos paulistanos com os assuntos relacionados ao meio ambiente pode ser resumida como muita preocupação e pouco conhecimento

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O título desta coluna é um princípio adotado pela ONU durante a Eco-92 e que visa deixar clara a responsabilidade maior de governos, empresas e de determinados países mais emissores de gases de efeito estufa no enfrentamento dos desafios do desenvolvimento sustentável.

A mudança climática é tema central nos dias de hoje e oferece questões para todas as esferas de governo, além de outros agentes como empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos. As cidades têm papel relevante, considerando a alta taxa de urbanização do Brasil (85%). São Paulo, como a maior cidade do país, é um laboratório de problemas e soluções e pode ser uma das referências no enfrentamento das mudanças climáticas.

A pesquisa lançada nesta semana sobre meio ambiente e a cidade, pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) traz luz ao tema.

Muita preocupação, pouco conhecimento. A relação dos paulistanos com os assuntos relacionados ao meio ambiente pode ser resumida nessa proposição. Sete em cada dez pessoas dizem conhecer pouco ou nada sobre aquecimento global ou mudanças climáticas, o que dá uma ideia do tamanho do desafio que temos pela frente.

Ilustração para a coluna de Jorge Abrahão
Isabella Beneduci

Mesmo assim, porém, 80% consideram a questão do aquecimento global ou mudanças climáticas muito importante e 62% declaram ter muita preocupação com o tema. O resultado indica tanto a importância da construção de programas e políticas públicas como de campanhas de informação da sociedade voltadas ao enfrentamento do aquecimento global.

É de se destacar a relação feita pela população entre tais fenômenos em nível mundial e a realidade brasileira, já que 81% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que o Brasil está perdendo credibilidade internacional por sua atuação em relação às mudanças climáticas e ao aquecimento global.

A relação entre o meio ambiente e a saúde está cada vez mais clara para a população. A maior parte dos entrevistados identifica o aumento de diversos tipos de doenças como consequência do desequilíbrio ambiental, como as cardiorrespiratórias (59%), dengue, zika, chikungunya (53%), e outras enfermidades transmitidas pela água contaminada (47%). Além disso, 63% concordam totalmente ou em parte que os problemas ambientais favorecem a existência de pandemias.

A pesquisa também avaliou a opinião dos paulistanos sobre a responsabilização das ações de combate aos problemas ambientais da cidade. Na opinião de quase a totalidade dos entrevistados (cerca de 90% na média de todas as opções), para além das esferas governamentais, as empresas, indústrias e a população de maior renda deveriam atuar na busca por soluções para os problemas ambientais da cidade.

Há também a percepção clara dos desafios individuais de cada cidadão: 61% concordam totalmente ou em parte que os seus hábitos de consumo estão relacionados com o desmatamento, o que chama atenção à conexão entre a responsabilidade pelas ações locais diante de seu impacto global.

São Paulo emite mais de 16 milhões de toneladas de gases responsáveis pelo efeito estufa anualmente, e quase dois terços dessa quantidade são provenientes da queima de combustível para uso nos transportes. Os desafios passam por estimular um modelo de desenvolvimento baseado na proximidade, ou seja, que reduza a distância entre local de trabalho e residência e mais atenção e responsabilidade com o entorno.

Na mobilidade, frotas de ônibus movidas à energia renovável que reduz emissões e a poluição que afeta a saúde pública (dos 14 mil ônibus da cidade, somente 17 são elétricos); deslocamento ativo com ciclovias e calçadas seguras e sinalizadas. Nos resíduos, promover a redução, reutilização e reciclagem de materiais. Legislações que estimulem o uso de energia solar nas casas e prédios evitam perdas e pressão sobre a rede de distribuição. A construção civil, além de utilizar materiais sustentáveis, pode adotar sistemas eficientes de iluminação e refrigeração e reduzir significativamente a produção de resíduos. Oferta de moradias para evitar a pressão em áreas de mananciais e nascentes, e a universalização do saneamento básico são fatores que integram o social e o ambiental. Fortalecimento do sentido comunitário associado à melhoria da infraestrutura urbana com aumento de parques e áreas verdes, e soluções que permitam a permeabilidade do solo, utilização da água da chuva, entre outros exemplos que impedem a formação de ilhas de calor e de poluição, como as regiões no entorno das grandes avenidas paulistanas.

A educação ambiental, que não deve ser de responsabilidade restrita à Secretaria Municipal de Educação nem à do Meio Ambiente, é um agente de transformação e conscientização que pode fazer a diferença na reversão do baixo conhecimento sobre os temas da mudança climática e do aquecimento global identificado na pesquisa. Sem esquecer de debater a moderação e o que é suficiente, frente a um modelo que estimula o consumismo.

Há cada vez mais dúvidas por parte da ciência se conseguiremos encaminhar soluções a tempo de evitar a catástrofe climática que coloca em risco a vida dos humanos no planeta. A combinação da insensibilidade da maioria dos agentes econômicos —conselhos de administração e CEOs, mais preocupados com os resultados de curto prazo do que com a perenidade de seus negócios— com a leniência dos políticos é uma bomba de efeito retardado que está montada e que só a rápida consciência e mobilização da sociedade pode desarmar.

Claro que políticas de mitigação e adaptação são bem-vindas na tentativa de reduzir os impactos de um modelo econômico predador da natureza e socialmente excludente. Mas, mais que tudo, o desafio é compreender que não se trata mais de “passar pano” e “verniz” nas ações de governos e empresas. A própria sobrevivência do sistema e da humanidade depende de uma mudança de olhar e de uma visão integrada das dimensões: a natureza não está apartada dos seres humanos. Somos, humildemente, só mais uma espécie nesta experiência espetacular que ocorreu neste planetinha do Sistema Solar: a vida.

A mudança é a compreensão de que temos a necessidade de ir fundo nas causas dos problemas e, para garantir o longo prazo, enfrentar interesses poderosos no curto. No caso de empresas, modelos de negócios devem ser repensados. Nos governos, urge a transversalidade das ações: na prática, não deveria haver secretaria do Meio Ambiente. O tema deve ser prioridade nas secretarias de Educação, Saúde, Habitação, Transporte, Infraestrutura, e tantas outras.

Pode parecer difícil, mas toda a complexidade dos sincronismos que nos fez manejar a razão e emoção pode dar conta de desafios deste tamanho. A ambição em relação à nossa capacidade de transformação, pode e deve ser maior.

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