Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jorge Abrahão

Manual de sobrevivência em tempos de guerra

Devemos buscar o equilíbrio que permita manter a sanidade mental e o vigor existencial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ao depararmos com a enorme capacidade humana de promover violência, a visão iluminista que eventualmente ainda nos habita perde força e corre o risco de se apagar. Então, no pêndulo das ilusões, o ceticismo rouba o espaço das utopias, entristecendo momentaneamente a vida.

A capacidade de parte das lideranças políticas de promover e estimular guerras, de colocar os interesses econômicos à frente dos essenciais à vida, de manipular informações para empanar a verdade, de atuar mais em benefício próprio do que pelo interesse comum, mina a esperança de enfrentarmos os enormes desafios que se colocam para a humanidade, tais como: a fome e a pobreza, a mudança climática e o aprimoramento da democracia, entre outros.

Área de Rafah atingida por Israel - Khaled Omar/Xinhua

Hoje, no mundo, existem simultaneamente oito guerras e dezenas de conflitos armados, o que prova nossa incapacidade de evitá-los via diplomacia, esta "ciência" que aposta em conseguir com palavras o que não conseguimos com a força.

Enquanto quase um bilhão de pessoas passam fome, rios de dinheiro são gastos na produção do último modelo de celular, do novo carro elétrico, do computador ou dos adereços pessoais que se aproveitam de nossas fragilidades emocionais e vazios existenciais para nos entulhar de produtos nas black fridays da vida. Como nunca, os joguinhos e competições da infância se mantêm vivos, repaginados para vida adulta, evidenciando a infantilização de parte da sociedade: o banco imobiliário transforma-se na aposta especulativa das bolsas de valores, visando o rápido enriquecimento; o "War" (Guerra) é a base que alimenta as disputas por poder no mundo dos negócios e entre países: vencer e liquidar o oponente é a meta.

Enterro em massa de palestinos perto de Khan Younis - Rizek Abdeljawad/Xinhua

Vivemos, portanto, em um momento em que a balança da descrença na humanidade assume a vanguarda e colocamos à prova nossa capacidade de resistir individual e coletivamente.

Se existe um alento é o de que, se fomos capazes de construir essa realidade que nos leva a riscos de sobrevivência, temos também, supostamente, a capacidade de promover as mudanças necessárias: é necessário vontade e coragem. Entretanto, é importante termos consciência de que os poucos que detêm o poder no mundo têm uma força desproporcional e, com suas canetadas e decisões estapafúrdias, não raro colocam por terra, num piscar de olhos, anos, décadas, séculos de riqueza cultural e saber: o massacre dos indígenas nas Américas, a escravidão dos negros africanos e o empobrecimento da maioria da população são exemplos acabados da brutalidade e ignorância que atravessa os tempos.

Diante disso, que energia cada um de nós deve dedicar a essa disputa desproporcional com os todo-poderosos da política e dos negócios?

Tenho visto pessoas próximas, queridas, adoecerem devido à carga de informação negativa das guerras, do aquecimento global, das calamidades e injustiças sociais, dos riscos para a democracia que, incrédulos, vivenciamos.

O que nos resta fazer frente a essa realidade? Como manter a saúde mental, o equilíbrio emocional e uma visão de futuro que alimente nossas ações? Um caminho é equilibrar a resistência necessária para enfrentar esses desafios coletivos com questões essenciais à nossa vida.

Nessa dança de estímulos contraditórios, devemos buscar o equilíbrio que permita manter a sanidade mental e o vigor existencial. Resta, portanto, pensar nas decisões que ainda temos domínio. Apostar nas relações de qualidade com familiares e amigos; explorar todas as possibilidades de afetos; destravar os diálogos importantes que a superficialidade não tem permitido; desapegar o que for possível das questões materiais; buscar o ensinamento da arte; encantar-se com a diversidade cultural; embebedar-se nas maravilhas da música; aprender com as provocações da literatura e do cinema; frequentar espaços públicos, onde a diversidade nos ensina a respeitar o outro; e dialogar com a natureza, contemplando-a e integrando-se a ela.

Temos muito a aprender com essas ações inspiradoras que podem contribuir para a formação da resistência que nos proteja das insanidades humanas.

Se a história tem mostrado que somos mais seduzidos por repetir os erros do que aprender com eles, resta nos agarrarmos às alternativas que ainda temos domínio porque precisamos estar inteiros e plenos para aproveitar qualquer brecha que permita promover transformações.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.