José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Uma Folha de memórias

Jornal relança Folhateen em busca de um novo público ou do passado?

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Um dos títulos mais curiosos publicados pela Folha nos últimos dias é da Folhinha: "Seção Um Adulto Responde pede licença para ajudar leitor de 50 anos em busca de informação que nem o Google tem". A informação, que agora o Google tem por obra do jornal, é "como se chama a bola da bandeira do Brasil". A seção, o nome diz, é dedicada a sanar dúvidas enviadas por crianças. Em uma era em que buscadores começam a escrever seus próprios verbetes, graças à inteligência artificial (e ao oportunismo de manipular o debate legislativo do país), soa como um contrassenso, mas não é.

Pela mesma razão, mensalmente, The New York Times for Kids circula nos EUA. O suplemento infantil de um dos periódicos mais importantes do mundo existe apenas impresso, sem versão equivalente em seu site tentacular. Os jornais, por delírio ou por princípio, precisam fazer novos leitores, ainda que a disputa pela atenção deles com a tecnologia embarcada em bolsos e bolsas seja muitas vezes inglória.

Na última semana, a Folha relançou o Folhateen, caderno inovador voltado para adolescentes, que formou uma geração de leitores e jovens jornalistas, nos anos 1990 e 2000. Caderno não, canal, já que o léxico precisa indicar um produto completamente digital, segundo reportagem do jornal publicada na terça-feira (16). A ideia, como na versão original, é ter material de interesse para quem já largou a Folhinha, mas ainda está longe de encarar o noticiário regular.

Manifestações em redes sociais e mensagens de leitores festejaram o retorno. Gente lembrando que subtraía o suplemento do exemplar da escola ou que começou a ouvir Arctic Monkeys por indicação de um de seus colunistas.

As boas memórias são de adultos, não de adolescentes, público que terá de ser caçado com interação e histórias que façam sentido em seus universos, também conforme o texto de apresentação. Curiosamente, o canal disponibilizou para contato e sugestão de pautas um email, o que soa anacrônico até para quem já saiu da adolescência nos últimos anos.

Ilustração de Carvall mostra um lápis preto partido ao meio. Da parte de trás, escorre um líquido escuro
Carvall

É interessante ver a Folha reabilitando suas marcas, mas há resgates possíveis e outros nem tanto. A Folhinha é o exemplo bom da tendência. Retomada durante a pandemia por razões óbvias, não só permaneceu como criou caminhos, com textos para as crianças enfrentarem sozinhas e outros junto com adultos; seção de perguntas, passatempos matemáticos, coluna de curiosidades. Um microcosmo, separado no impresso em uma página destacável, passo importante (uma edição com Anitta na capa da Ilustrada e Folhinha na contracapa do mesmo caderno gerou ruído).

Equilíbrio, marca importante na trajetória do produto, trabalha atualmente mais como rótulo. Traz reportagens de interesse, pautas alavancadas por redes sociais, mas sem um conjunto de edição que faça sentido. Traduções de publicações estrangeiras frequentemente tratam de realidades distantes. Em quase nada lembra o tabloide que tinha vida própria dentro do jornal.

Também passa longe da memória de origem Turismo, um clássico da Folha, que hoje em dia troca os mergulhos profundos por poças de informação. O parâmetro limitante parece ser blogs e sites do setor. O jornal se adequa ao mercado, quando deveria, na cabeça dos leitores, fazer diferente.

Autointitulados órfãos do Guia colocarão seu produto favorito no mesmo escaninho, mas a questão, neste caso, parece diferente. A Folha recalibrou sua produção com iniciativas interessantes, só que o público sente falta mesmo é do formato e do amplo serviço.

O Globo também realinhou esse flanco de sua cobertura cultural, mas ousou trilhar o caminho inverso do concorrente paulista, com a publicação de um suplemento impresso semanal, o RioShow.

Campeão de reclamações ao lado do Guia, Esporte também teve suas prioridades redimensionadas. Não há mais cobertura regular de competições, apenas features, reportagens especiais sobre assuntos variados. Dá certo até a notícia não programada se impor, como ocorreu nas últimas semanas.

Acompanhamento intensivo nunca foi um norte, a ponto de PVC, antes de se tornar colunista deste diário, brincar que a Folha era o melhor jornal sobre política esportiva do mundo e provavelmente o único. Este melhor jornal sobre política esportiva não existe mais, atesta-se na claudicante cobertura sobre jogadores da Série A do Brasileiro envolvidos em apostas. É o maior escândalo do futebol brasileiro desde a CPI da CBF-Nike e seus importantes desdobramentos, que teve muitos furos da Folha e até um Prêmio Esso para o jornal. Nada indica que o desempenho se repetirá.

É um ativo do jornal a relação sentimental dos leitores com seus produtos. Isso se deve à boa entrega da Folha lá atrás. Vira imediatamente passivo, porém, não prover algo além do básico no presente.

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