José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Processo contra Fox News nos EUA evidencia falso dilema do jornalismo

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Em uma semana pesada para o governo Lula, passou quase batido pelo noticiário nacional o início de um julgamento bilionário contra a Fox News, de Rupert Murdoch, o canal a cabo mais visto nos EUA e ponta de lança das direitas moderada, extrema, local e mundial.

O início, na verdade, foi desfecho. Acossada por um processo de difamação movido por empresa que provê equipamentos de votação, a Fox correu para fazer um acordo: no lugar de arriscar ver um júri de 12 almas decidir sobre indenização de US$ 1,6 bilhão, pagou US$ 787,5 milhões para a Dominion Voting Systems encerrar o assunto. Muito dinheiro, mas menos de um quarto do atual caixa da emissora e sem precisar pedir desculpas.

Nas eleições de 2020, entre as tantas fantasias e falsidades abraçadas pela mídia trumpista, uma dizia que as máquinas da Dominion foram usadas para manipular resultados das urnas. A empresa entrou com um processo contra a emissora, o que não é tarefa fácil nos EUA desde 1964, quando a Suprema Corte decidiu, no caso New York Times v. Sullivan, que é preciso provar "actual malice" ou má-fé na divulgação de uma informação errada publicada pela mídia.

A Dominion juntou mais de um milhão de páginas de evidências. Comunicações internas da Fox mostram que as alegações de fraude não paravam em pé e que a emissora, seus apresentadores e até Murdoch tinham plena ciência disso. O constrangimento foi tal que o juiz da ação usou caps lock ("CRYSTAL clear") nos autos para dizer que a Fox veiculou informações falsas e que, portanto, não caberia alegar liberdade de expressão.

Descrito assim, o episódio denotaria um passo, ainda que tímido, no combate à desinformação. Ocorre que ele avança também sobre a jurisprudência estabelecida, proteção para o trabalho da imprensa dos ataques de figuras públicas, notadamente as reacionárias.

Ilustração mostra silhuetas de homes de vários tamanhos segurando uma espécie de rede de pesca
Carvall

Não é nova a ideia de rever a sentença de 1964 na Suprema Corte, ora conservadora. Assim se deu recentemente com Roe v. Wade, sobre o aborto.

É falso, no entanto, o dilema entre assegurar o pleno exercício do jornalismo ou conter a mentira. A própria Fox mostrou que é preciso coibir comportamentos como o seu em 2020. Em frase bem pinçada do processo por um crítico de TV do Times, o apresentador mais popular da emissora, Tucker Carlson, depois de reconhecer que as alegadas fraudes não existiam, justifica o injustificável: "Nossos espectadores são boas pessoas e eles acreditam nisso". Se o público acha que é verdade, quem é o jornalista para dizer que não é.

Na discussão do PL das Fake News, a ser apreciado em breve pela Câmara, muito se falará de liberdade de expressão e de imprensa. É um dos principais motes das redes sociais, que se opõem a grande parte do projeto. O raciocínio sincero e torto de Carlson é um excelente exemplo de como está fácil deturpar tais conceitos.

Adélio Reloaded

Em uma semana pesada para o governo Lula, não passou batido, mas quase não houve tempo para prestar atenção a novos detalhes da novela que parece não ter fim sobre a facada de 2018 em Jair Bolsonaro.

Segundo publicado pela Folha, "Apuração da PF cita elo entre PCC e defesa de Adélio, mas direção vê tese furada". Já no título, o jornal deixa claro que não há consenso dentro da Polícia Federal sobre a investigação. A novidade sobre a suposta proximidade da facção com um dos defensores de Adélio Bispo é subsidiária de uma disputa interna. Uma segunda reportagem, publicada horas depois, diz que a "PF sob Lula escondeu operação sobre caso Adélio-PCC autorizada pela Justiça". Este título prevaleceu no jornal impresso. Os passos da edição falam por si.

O caso de Adélio é um nó de narrativas, com o bolsonarismo defendendo envolvimento da esquerda, que devolve com um atentado forjado. Falta luz ao assunto, mas o jornal, no lugar de se afastar da confusão de versões, a amplia. Pior, com o segundo título, destaca que o governo teria escondido a operação, mas a necessária apuração sobre o fato a reportagem não entrega.

Objetividade jornalística

No domingo (16), a Ilustríssima trouxe como destaque um artigo de Martin Baron, ex-editor executivo do Washington Post. Defendia a objetividade no jornalismo, descartada em estudo muito debatido nos últimos tempos. Este período é muito oportuno: "Todos são argumentos contra reportagens que já começam semiprontas, antes mesmo da apuração, em que a escolha de fontes é um exercício de confirmação de viés e onde se procura ouvir a voz do outro lado (muitas vezes no último minuto) apenas porque isso é exigido, não como ingrediente essencial de um trabalho de investigação honesto".

Pausa

A coluna, excepcionalmente, não circulará no domingo (30).

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