José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Atenção, imagens fortes

Guerra entre Israel e Hamas escancara atrocidades e descrença

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Em março de 2019, um supremacista invadiu duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, e fuzilou 51 pessoas. Transmitiu o massacre em rede social, e a parte mais absurda do vídeo de quase meia hora é seu deslocamento de carro entre um ataque e outro, conversando com a câmera. Em uma esquina, ele para antes da faixa e espera pedestres atravessarem. A insólita cena parece estar ali só para amplificar o horror que continua a seguir.

O vídeo foi logo derrubado pelas plataformas e apenas alguns quadros foram distribuídos pelas agências internacionais. Certamente habita os porões da internet, mas a autocensura da imprensa, das redes e das autoridades o baniu.

Outros tempos. Na última semana, o exército israelense publicou no X, o ex-Twitter, uma espécie de não imagem, um fundo preto com dizeres em capitulares: "Esta seria a foto de uma mulher grávida morta perto de seu bebê natimorto decapitado e arrancado de sua barriga pelos terroristas do Hamas. Devido às regras desta plataforma, nós não podemos mostrar isso a você".

A descrição chocante também aparece em um relato da revista The New Yorker, que conversou com sobreviventes do kibbutz Be’eri, talvez o primeiro ponto atingido pela facção e pela carnificina que patrocinou no dia 7 de outubro.

Outros tantos episódios mereceram registro em diversos veículos, imagens cruas foram exibidas a jornalistas. O embaixador de Israel, tablet em punho, mostrou algumas no púlpito da ONU. Em apenas uma edição do Jornal Nacional, três porta-vozes e um ministro israelense apareceram falando, um deles em portunhol. Na Primeira Página da Folha, fotografia de uma instalação com ursos de pelúcia manchados de vermelho lembrava as crianças sequestradas.

Dois balões de fala vazios se misturam, da intersecção de ambos, escorre, uma grande mancha de sangue. O fundo é branco.
Folhapress

Não é apenas uma questão de propaganda, mas de como ela é feita. Nunca uma ausência de informação, uma não imagem, serviu tanto como argumento. Ao mesmo tempo, nunca uma atrocidade foi tão divulgada: pelos perpetradores, dentro da lógica de glorificação do terror como vingança contra o inimigo, marca deste século; pelos atingidos, como se fosse necessário a Israel comprovar tudo aquilo que aconteceu ou justificar o que vai ocorrer em retaliação.

Sobra descrença. Confrontado com a tragédia em Gaza, Joe Biden declarou que o número de vítimas palestinas não é confiável. Alguns veículos passaram a citar os dados do ministério da Saúde do Hamas com o adendo "não podem ser verificados". Outros, como The Guardian, The Washington Post e Associated Press, enfrentaram a correnteza para explicar a razão de publicá-los.

The New York Times projetou o conflito urbano mais sangrento desde a Segunda Guerra, com enormes desafios para Israel. O último grande confronto do tipo, em Mosul, deixou 10.000 civis mortos. O Hamas tem de três a cinco vezes mais combatentes do que o Estado Islâmico tinha no Iraque.

Pode soar insuportável, mas está apenas começando.

Lula fala

Em resposta a uma pergunta da Folha, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a meta fiscal de 2024 não precisa ser zero. Os mercados despencaram em seguida, com repercussão também no universo político.

Neste sábado (28), o jornal voltou ao expediente que o caracterizou no advento de Lula 3, os editoriais de Primeira Página. Voltou também ao tom mais agressivo, a partir do título "Lula sabota o país".

O jornal parece querer sublinhar que se opõe ao presidente.

Cavando polêmica

Demétrio Magnoli leu a coluna do último domingo (22). O ombudsman agradece a leitura.

Não só leu como concordou com a tese única do artigo, a necessidade cada vez maior de jornais apelarem para OSINT, a perícia de dados e imagens, na cobertura da guerra. Tropeçou, porém, nos primeiros parágrafos, quando o texto fazia um breve apanhado da confusão que a explosão no hospital em Gaza provocou no planeta, sem tomar lados.

Magnoli não entendeu assim ou achou que o meio estava em outro lugar. Também no último domingo, escreveu que a imprensa "precisa divulgar notícias legítimas, mesmo quando contrariam as inclinações ideológicas do jornalista". Foi além e apontou para matérias que, segundo ele, deveriam ter sido citadas, sugerindo desatenção do ombudsman. Recomendou não uma, mas duas vezes a leitura de "uma análise meticulosa" do Guardian que respaldava a versão israelense para o episódio.

O artigo do diário inglês havia sido lido pelo ombudsman, tem dois erramos e ensejou o comentário feito no terceiro parágrafo da criticada coluna, sobre o episódio ter provocado correções mundo afora. Já a versão israelense sofreu reparos de análises OSINT do Times e do Post nos últimos dias.

Estamos longe das verdades definitivas, ainda que inundem o debate nesta guerra.

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