José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

José Henrique Mariante
Descrição de chapéu jornalismo mídia

Imperativo, como não usar

Folha erra ao impor privatizações como panaceia e interditar o debate

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ainda que redes sociais e mecanismos de busca condicionem títulos e textos noticiosos de maneira cada vez mais contundente, certas regras insistem em perdurar. A maioria dos enunciados da Folha, por exemplo, continua no tempo presente, o tempo do jornalismo, apesar de esforços em contrário. A lista de coisas a se evitar também continua importante, como o gerundismo e o deselegante imperativo.

"Privatize-se", escreveu a Folha em editorial na noite de terça-feira (3), após o dia de transtornos provocados pela greve de funcionários do transporte público em São Paulo. Mais do que forma verbal, como descreveu Thiago Amparo, uma ordem a um estado em que 43% recusam a proposta de privatizar empresas e serviços.

A greve é política, argumentou o jornal, como se isso bastasse para justificar a venda de qualquer coisa. O colunista notou que a greve é sim política e que isso não é um problema. Ruim é despolitizar a vida. E, pelo contrário, o que mais precisamos no inferno paulistano é buscar consensos, discutir os rumos da cidade.

A greve é ilegal, martelou o editorial e também o jornal em seus títulos principais sobre o evento. A manchete do impresso foi "Greve em SP para trens e desobedece juiz", em tom inconformado, quase editorializado. Qual greve ocorre sem embate judicial, sem flertar com a confusão, perguntou o ombudsman em crítica interna. Era muito mais fácil relatá-la como o que foi, uma manifestação pública contra as planejadas privatizações do governo Tarcísio de Freitas. Ou, melhor ainda, que o dia de caos antecipava a disputa eleitoral de 2024, como concluiu em análise Igor Gielow.

A Folha, no entanto, se mostra intolerante ao tratar do assunto, que virou uma espécie de prioridade do jornal desde agosto do ano passado, quando outro editorial, com título mais polido ("Privatizar é bom"), sublinhava aos então candidatos à Presidência que o assunto era um tema importante. As ameaças antidemocráticas já faziam o país arder, mas havia um recado a ser dado. Talvez a leitora e o leitor esperassem demandas diferentes, mas aí já é outra história.

Na ilustração vemos um grande martelo preto de leilão atingindo a palavra "leitor".
Folhapress

Daquele editorial ao da última semana, 15 textos sobre privatização ou que citavam a temática foram publicados pela seção de Opinião, um por mês desde agosto último. Não é uma frequência acima do normal, ainda mais para um assunto em pauta, mas o problema não está nisso. O que distingue a defesa do sistema de outras tantas bandeiras levantadas e conduzidas pela Folha é a veemência, escancarada na escolha do último enunciado, na ordem proferida. O jornal escreveria "Legalize já"?

Não se discute aqui as razões para tamanho esforço, mas a forma. Como no caso da cobertura da greve, seria bem mais simples ampliar o debate e conceder espaço justo para o contraditório. O próprio jornal constatou em suíte na última semana que o transporte sobre trilhos privatizado é "raro em metrópoles"; a linha concessionada da CPTM é um fracasso a olhos vistos; por que não promover um seminário sobre reestatizações de saneamento ocorridas em outros países. Sobram caminhos.

Interditar o debate é o que os dois lados da disputa política almejam. A Folha pode e deveria fazer diferente.

Prioridades

Os jornais têm suas bandeiras, mas é forçoso constatar que ambiente raramente é uma delas. Em uma semana de disputas institucionais em Brasília e violência no Rio, não faltou notícia. É preciso registrar, porém, que o único diário entre os quatro grandes do país a se impor uma manchete para a calamidade da seca na Amazônia foi o Valor Econômico.

Faz lembrar "Não olhe para cima", outro título imperativo.

Barra pesada

O chope entre amigos que virou tragédia presumidamente por um deles ser parecido com um alvo miliciano foi filmado por algumas câmeras no Rio. Na manhã de quinta-feira (5), quase todos os sites mostravam as imagens.

Na Folha, a coisa foi publicada como chegou, limpa, com toda ação captada. Em O Globo, alguns borrões nos corpos caídos. Em O Estado de S.Paulo, todo o lado das vítimas borrado, restando intacta apenas a movimentação dos atiradores entre o carro e o quiosque.

Há evidente interesse jornalístico em mostrar as imagens, mas a pergunta é até que ponto: se é de fato necessário revelar toda a carnificina ou se é suficiente transmitir uma breve noção de sua materialidade; sé é razoável, em nome da informação, revitimizar quem é próximo aos chacinados.

A Folha decide a exposição de imagens assim caso a caso. Não mostrou o estupro na sala de parto e recuou na transmissão do ataque na escola. Deveria ter se contido também neste último episódio. Imagens precisam denunciar alguma coisa para serem publicadas. Apenas confirmar nossa estupidez não é requisito.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.