Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Uma caminhada por São Paulo durante a volta para casa

Diante do Obelisco, lembrei de Verlaine desviando o olhar da torre Eiffel

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Já escrevi aqui como gosto de caminhar pelas cidades, assim como escritores franceses louvaram seu gosto por "se balader (passear) à Paris". Mas, no meu caso, é mais "caminhar" do que "passear", um pouco diferente.

Certas cidades nos convidam a caminhar sorvendo a paisagem, urbana ou humana. Caminhar sem destino. O que não é bem meu caso em São Paulo.

Em Paris consigo me ver andando por andar. Em Istambul, passeando em ruas antigas ou à beira do Bósforo. No Rio de Janeiro, perdendo-me (como se isso fosse possível) pela orla.

O estreito de Bósforo, na Turquia, com a cidade de Istambul ao fundo - Shadati - 24.mai.22/Xinhua

Mas mesmo nesses casos sou assaltado por uma certa veia da imobilidade. Afinal, sou um compulsivo procrastinador (palavra que ficou na moda, quem diria: quase impronunciável, terrível trava-língua, eu a colocaria na moda só no ano que vem, sempre). Por que levantar e sair andando sem razão?

Por outro lado, gosto muito de caminhar. Não sobre uma esteira, sem sair do lugar, como um hamster desnorteado; mas nas ruas –desde que com um objetivo em mente. Um estranho pragmatismo.

Num aeroporto, sujeito-me a andar quilômetros: me apraz ver pessoas diferentes que se misturam, ouvir línguas que se sobrepõem e até olhar uma ou outra loja, onde nunca compro nada. Não acho estranha essa caminhada, porque estou saindo de um avião e indo para outro, como necessário.

Ao contrário, me dá preguiça sair de casa para andar quilômetros sem ter aonde ir, apenas rodando uma pista no parque como um peru bêbado antes da inelutável ceia de Natal. Se preciso de um chip de celular, porém, não me incomodo de caminhar meia hora até uma loja no shopping horroroso. Nem de voltar a pé –pois sei aonde, e porque, estou indo.

Obelisco no centro de área ajardinada, Ibirapuera
O Obelisco do Ibirapuera - São Paulo Antiga

E nunca me arrependo. Ao caminhar, mesmo por trechos feios da cidade, algo vou fruindo. Lojinhas insuspeitas, malucos surpreendentes, árvores frutíferas de onde colho pitanga ou amora (também me ocorre, acredite, desviar de projéteis perigosos dos altos abacateiros, ou pesadas jacas que, desabando como asteroides, podem não exterminar os dinossauros, mas não poupariam este passante jurássico).

Estive há pouco em São Paulo, num desses destinos que não desejamos a ninguém (posto do Detran num Poupatempo —nada resolvido, aliás); mas, voltando a pé, resolvi cruzar o parque Ibirapuera, que nunca visito para correr (fiz isso no passado; peru perde). Cumpria uma missão corriqueira e legítima –voltar para casa, derrotado pela burocracia— e aproveitaria para visitar o Museu de Arte Moderna, que tem sido meu principal ímã para visitar o parque.

Mirei no caminho o obelisco do Ibirapuera, construído aqui mesmo, pensando na Agulha de Cleópatra, em Londres (que, com seus 3.500 anos, deveria por direito estar à beira do Nilo, não do Tâmisa), e lembrando que o poeta Paul Verlaine, ao "se balader à Paris", desviava de seu caminho (como outros contemporâneos seus) para não ter que encarar outro alto monumento, a torre Eiffel, horroroso "esqueleto de campanário".

A Agulha de Cleópatra, às margens do Tâmisa
A Agulha de Cleópatra, às margens do Tâmisa - Reprodução

Saindo do devaneio, segui para ver a instalação de Tunga que ocupou o espaço do museu onde ficava a aranha de Louise Bourgeois: valeu cada centímetro, além do mistério de aspirar um aroma de canela que descobri ser de âmbar, veja só. Ainda parei para um vinho e um almoço no Prêt MAM, um decente restaurante de bufê com vista envidraçada para o jardim de esculturas.

O medidor de atividades físicas do meu celular, que vive desocupado, desta vez me avisou feliz da vida que eu tinha cometido 8.000 passadas, quase seis quilômetros, entre o Poupatempo e o meu sofá. Não me censurou por ter parado para beber no caminho. Acho que ele já me conhece.

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