Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Filme tocante conta como paixão do torcedor absolveu um ex-soldado nazista

Se judeus e ingleses foram capazes de acolher o goleiro Trautmann, é impossível pacificar o Brasil?

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​Atenção rara leitora e raro leitor: esta coluna contém spoilers.

Verdade que não para quem conhece a história dos grandes heróis do futebol, porque tratará de filme baseado em fatos reais, na Inglaterra pós-guerra: a saga de Bert Trautmann, goleiro alemão do Manchester City, primeiro jogador estrangeiro aclamado como jogador do ano no Reino Unido em meados dos anos 1950.

Trautmann se voluntariou para lutar na Segunda Guerra pelo exército alemão e como paraquedista chegou a receber a Cruz de Ferro, uma das maiores honrarias militares alemãs.

Preso pelos ingleses, chamou atenção no campo de prisioneiros pelo desempenho embaixo das três traves, acabou contratado por pequeno clube da região e de lá terminou no City, pelo qual atuou durante 15 anos e virou lenda ao garantir a vitória em decisão da Copa da Inglaterra com o pescoço quebrado.

Imagem do filme "O Defensor" ("The Keeper"), que retrata a história do goleiro Bert Trautmann, ex-soldado nazista
Em "The Keeper", Bert Trutmann é interpretado por David Kross - Divulgação

Com imagens preciosas de jogos de futebol, sempre uma dificuldade para serem filmados, a trajetória de Trautmann retratada em “The Keeper”, no Brasil “O Defensor: a História de Bert Trautmann”, lançado em 2019, chega só agora ao país por causa da pandemia.

E é muito mais que a descrição bem-feita da carreira de um ídolo do futebol.

Porque Trautmann comeu o pão que ele mesmo amassou em seu passado para ser aceito tanto no clube pequeno como no grande, alvo das compreensíveis hostilidades na Grã-Bretanha arrasada pelos nazis.

Apaixonado por uma jovem inglesa que o acusa de tê-la impedido de dançar nos bailes, encerrados pelos sons das sirenes que anunciavam ataques aéreos, ele argumenta não ter tido escolha e que preferia dançar a guerrear, embora o futebol também fosse uma dança.

Entre protestos irados e defesas impossíveis, Trautmann aos poucos transforma o ódio em admiração, os xingamentos em idolatria, muito porque é aliviado por artigo de rabino de Manchester que prega o perdão ao goleiro.

O link do filme imperdível será disponibilizado pela Congregação Israelita Paulista (CIP) durante todo o domingo (23). No dia seguinte, às 20h, haverá debate com a participação do rabino Michel Schlesinger, sucessor do gigante Henry Sobel.

Momento mais apropriado impossível, com a intolerância nas alturas brasileiras e com o recrudescimento do secular conflito no Oriente Médio.

A CIP, uma das maiores comunidades judaicas liberais da América Latina, concedeu ao colunista, defensor da solução de dois Estados, Israel e Palestina, o privilégio de assistir ao filme e o convidou também para participar do encontro na segunda-feira (24), convite prontamente aceito.

Porque conversar sempre é preciso, exceção feita com quem defende a Terra plana, a ineficácia das vacinas e, principalmente, a ação de torturadores.

De resto, quando crescem no país as demonstrações de tantos arrependidos por terem votado errado em 2018, será por meio do diálogo, do acolhimento aos que cometeram o equívoco responsável por sabe-se lá quantas vítimas fatais da pandemia, que restabeleceremos o processo civilizatório duramente interrompido.

Se judeus e ingleses foram capazes de perdoar e acolher Bert Trautmann, por que achar ser impossível pacificar o Brasil?

Histerias coletivas são mais comuns do que a Humanidade merece, e evitá-las é dever de todos. Quando não se consegue, há que corrigi-las. Exatamente como o filme mostra.

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