Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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O gol do Vasco, o egoísmo e a incoerência

O prejudicado berra aos quatro cantos e o beneficiado cala em mutismo ensurdecedor

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O gol anulado do Vasco no jogo contra o Palmeiras revelou mais uma vez como a indignação contra os erros de arbitragem é mera demonstração de egoísmo e incoerência.

O prejudicado berra aos quatro cantos e o beneficiado cala em mutismo ensurdecedor.

É assim em todos os clubes, do ABC ao Zenit —de Natal a São Petersburgo.

Imaginem a cena, a rara leitora e o raro leitor: em hipotético embate entre a equipe potiguar e a russa, os russos têm um gol anulado por milimétrico impedimento, impossível de ser observado a olho nu, a jogada prossegue porque ao bandeirinha faltam olhos com raios X, a bola chutada por defensor potiguar sobra para atacante adversário que marca um golaço de fora da área, em goleiro, ainda por cima, de seleção nacional e na casa dele.

Dá-se uma explosão de felicidade na equipe visitante, que, por sinal, luta contra crise persistente.

Eis que a turma dos raios X, também chamada de VAR no futebol moderno, aciona seus mecanismos sensíveis para ver, insensíveis para olhar, e adverte o assoprador de apito que há irregularidade no lance, que a ponta da chuteira do atacante na jogada anterior ao gol estava adiante do penúltimo defensor rival.

O gol é anulado.

Nem o VAR nem o assoprador perceberam que o tento nasceu após rebatida, de outro momento, iniciador de novo andamento da peleja.

A arbitragem erra duas vezes.

Lance de Palmeiras 1 x 0 Vasco, no Allianz Parque
Lance de Palmeiras 1 x 0 Vasco, no Allianz Parque - Leandro Amorim/vasco.com.br

Na primeira, porque o bico da chanca —é assim que a chuteira era chamada nos tempos do futebol raiz— não pode ser argumento para contrariar o espírito da regra do impedimento, a que pune quem leva vantagem por estar adiantado. Na segunda, porque o gol nasceu de novo lance, o que faz do anterior jogo jogado.

Os protestos do prejudicado são imediatos, altissonantes, justos e oportunistas.

O silêncio do beneficiado é perpétuo, soa ainda mais alto, injusto e incoerente.

Quem perdeu e gritou já ganhou mil vezes do mesmo modo e calou.

Quem ganhou e calou já perdeu mil vezes do mesmo modo e gritou.

Se ao menos nas derrotas não se levantassem suspeitas sobre os autores das falhas, ficaria tudo elas por elas.

Mas não.

É um tal de acusar o sistema, de imputações iradas e veladas, que todos ficam nus diante do egoísmo e da incoerência de cada um: farinha pouca, meu pirão primeiro.

Assim caminha a humanidade em sua marcha histórica por levar vantagem em tudo.

Danem-se os princípios, dane-se a justiça, pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Afinal, quem é capaz de agir contra o próprio interesse?

São poucos, acredite, mas existem.

Um dia, tomara, serão maioria e o mundo será melhor.

Porque sem utopias tudo fica ainda pior.

Por enquanto, os explorados chiam e a boiada passa.


O BRUXO DE LA PLATA

O inacreditável aconteceu com o Estudiantes na Copa Sul-Americana, feitiço do bruxo Cássio e das traves.

Os argentinos têm motivos para acreditar no dito popular atribuído aos galegos "No creo en brujas, pero que las hay, las hay" e, perdão rara leitora, mudar o sexo das bruxas.

Cássio comemora com reservas a classificação diante do Estudiantes - Juan Mabromata/AFP

Um time acertar seis vezes as traves no mesmo jogo decisivo é coisa sobrenatural e digna do livro de recordes, embora haja registros de ocorrência igual, como na vitória da Alemanha sobre o Cazaquistão, nas eliminatórias da Copa de 2014, por 4 a 1, com seis bolas na trave.

Só que a Alemanha goleou e o Estudiantes caiu.

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