Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

As Olimpíadas contra os preconceitos

Negras e negros dão o tom e até o futebol masculino ensina aos infames racistas

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A Arena Campo de Marte estava preparada para uma grande festa francesa.

A sexta-feira (2) consagraria o judô azul, branco e vermelho com as duas medalhas de ouro mais valiosas de um dos esportes mais apreciados pelos franceses.

Nas semifinais femininas a filha da terra e número 1 do mundo, a peso-pesado Romane Dicko, enfrentaria a brasileira Bia Souza, a número 5.

Beatriz Souza enfrenta Raz Hershko pela medalha de ouro
Beatriz Souza enfrenta Raz Hershko pela medalha de ouro - Li An/Xinhua

Venceria, é claro, supunha-se.

Mais tarde Dicko lutaria com a israelense Raz Hershko, número 2, também ganharia e abriria a festa que terminaria com a apoteose do peso-pesado, também francês, Teddy Riner.

O presidente Emmanuel Macron fez questão de dar o ar de sua graça no ginásio lotado e tricolor, porque não é bobo nem nada.

Pois frustrou-se.

Se não inteiramente, metade da comemoração escapou do país-sede das Olimpíadas.

A negra brasileira derrotou a negra francesa e, de quebra, despachou a branca israelense.

Em vez da esperada Marselhesa, Paris ouviu o hino do Brasil.

Verdade que o também negro Riner não decepcionou, derrotou seu adversário e impediu que Macron voltasse ao Palácio do Eliseu de mãos abanando.

Imagine a raiva de Marine Le Pen ao ver o gigante Riner encarnando a vitória francesa, ele que já havia acendido a pira olímpica, tão querido que é no país, nascido em Les Abymes, comuna francesa em Guadalupe, no Caribe.

Teddy Riner comemora ouro em Paris
Teddy Riner comemora ouro em Paris - Li An/Xinhua

A sexta-feira ainda reservaria novo motivo para os franceses festejarem. No futebol.

No futebol masculino, esporte que não deveria mais fazer parte dos Jogos Olímpicos, porque o único que não é representado pelo que cada país tem de melhor.

Mas futebol é futebol e garantia de estádios lotados.

Pelas quartas de final as seleções sub-23 de Argentina e França se encontraram em Bordeaux para repetir o encontro que decidiu a Copa do Mundo no Qatar.

Com o ingrediente adicional da infame música racista cantada pelos jogadores argentinos campeões da Copa América e apoiada pela vice-presidenta Victoria Villarruel: "Eles jogam pela França, mas são de Angola. Que bom que eles vão correr. Se relacionam com transexuais. A mãe deles é nigeriana, o pai deles, camaronês, mas no passaporte, francês".

Eis que a França entrou em campo com Restes, Sildillia, Badé, Lukeba e Truffert; Millot, Koné e Chotard; Olise, Lacazette e Mateta.

Dos 11 titulares, apenas 2 brancos, Truffert e Chotard.

A França venceu por 1 a 0, gol de Mateta em passe de Olise.

Caso típico da volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.

Se já há um saldo extremamente positivo nesses 33º Jogos Olímpicos, desde a cerimônia de abertura, está na mensagem de inclusão e nos exemplos de que é possível competir sem desejar a desgraça do adversário, como tão bem demonstraram a marciana Simone Biles e a fenomenal Rebeca Andrade.

A multicolorida Arena Campo de Marte, pintada de azul, vermelho, branco e preto, na Cidade Luz, cujo apelido tem a ver com o Iluminismo e não com as milhares de luzes que reforçam o epíteto, viveu mesmo um dia histórico.

No dia 2 de agosto, Bia Souza, nascida em Itariri, na Serra do Mar, e Teddy Riner, no Caribe, entraram definitivamente para o panteão dos heróis olímpicos.

E aqueles argentinos que não souberam comemorar o bicampeonato da Copa América receberam a lição que mereciam, uma vergonha tão indelével como a glória do sangue negro em Paris.

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