Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Natação

Paris bem vale uma lágrima

Chorar de emoção na vitória, pode; chorar de tristeza na derrota não pode?

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E o Cachorrão chorou.

Terminada a prova dos 400 metros livre na piscina da Arena Paris La Défense, Guilherme Costa, 25, o Cachorrão, debulhou-se em vale de lágrimas.

Obteve o melhor tempo de sua vida ao ficar entre os cinco principais nadadores do planeta na especialidade.

Mesmo assim, o Cachorrão chorou.

Chorou sentado no bloco de partida tão logo saiu da piscina.

Cotovelos nos joelhos, as duas mãos no rosto, chorou copiosamente.

Cachorrão acabava de bater o recorde sul-americano e mesmo assim derramou-se em lágrimas.

Ele estava certo de que subiria ao pódio, de que abiscoitaria a medalha de bronze.

A foto mostra o nadador brasileiro Guilherme Costa "Cachorrão" churando sentado na bordfa da piscina após chegar em quinto lugar na final dos 400m livres. Parisd-2024
Guilherme Costa, o "Cachorrão", chora na final dos 400m livre - Miriam Jeske/Divulgação/COB

Repita-se: chegou à finalíssima, antes de pular na água já estava entre os oito grandes do mundo, bateu o recorde continental, atingiu o melhor tempo de sua carreira, mas era a imagem acabada do fracasso.

Chorou à beira da piscina, chorou ao ser entrevistado, sabe-se lá quanto mais chorou quando ficou sozinho.

Guilherme Cachorrão ganhou e não percebeu.

Ganhou não apenas a simpatia de quem o viu desolado.

Ganhou mais.

Ganhou de si mesmo, superou-se e, segundo o budismo, "a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias".

Tente convencê-lo e será em vão.

Menos mal que o Cachorrão ainda competirá nos 800m livre — eliminatórias nesta segunda-feira (29) pela manhã, final às 16h, tomara que com ele entre os oito, como aconteceu na Olimpíada de Tóquio.

Quem sabe se a medalha virá para que possa voltar a chorar, mas pela emoção da conquista.

A linha do tempo na vida de atletas como a dele é contada em períodos de quatro anos, entre as Olimpíadas, por mais que existam dezenas de outras competições entre uma e outra.

Daí a simplificação cruel de que alguém passou quatro anos se preparando e, na hora agá, perdeu. Às vezes no primeiro dia, na primeira prova, sem mais.

Como aconteceu com o ginasta Arthur Nory, campeão mundial em 2019, medalhista de bronze na Rio-16 e um dos favoritos na barra fixa em Paris.

O brasileiro errou e acabou eliminado.

Por isso, Nory também chorou. "Estou me sentindo muito mal", repetia na entrevista, como se tivesse cometido algum crime.

Vejam bem a rara leitora e o raro leitor, Nory é um campeão mundial que conhece o sabor da medalha olímpica.

Contudo, parecia o mais desafortunado dos seres humanos.

Não se trata de passar pano para ninguém, de ser complacente com a derrota e muito menos do antigo lengalenga sobre a falta de apoio, que fazia de cada atleta brasileiro um herói.

Porque, apesar de ainda longe do ideal, já faz tempo que as condições para o alto rendimento estão bem melhores.

Trata-se só de constatar que quando o atleta chega às Olimpíadas encontrará para disputar com ele os melhores de cada país, com o mesmo sonho, a mesma disposição.

Daí ser recomendável ao COB ensinar a cada um que estiver frustrado a música de Paulo Vanzolini, "Volta por cima": "Chorei, não procurei esconder/Todos viram, fingiram/Pena de mim, não precisava/Ali onde eu chorei/Qualquer um chorava/Dar a volta por cima que eu dei/Quero ver quem dava".

Rei da França, Henrique IV (1553-1610), um dia disse que "Paris bem vale uma missa", com o que anunciou ter trocado o protestantismo pelo catolicismo.

Que aqueles que perderam, e os que vierem a perder, tenham a mesma clareza: o privilégio de chorar sobre o Sena é experiência inesquecível.

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