Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque

Para que crescer?

O exercício de uma racionalidade amadurecida e engajada exige certa valentia

Alunos fazem avaliação em faculdade de São Paulo
Alunos fazem avaliação em faculdade de São Paulo - Cleo Velleda/Folhapress

Em seu mais recente livro, a filósofa norte-americana Susan Neiman propõe-nos uma discussão sobre as vantagens e desvantagens percebidas em nossos ideais de amadurecimento e de vida adulta.

Para tanto, ela reflete sobre a centralidade do pensamento de duas personagens do Iluminismo europeu: o filósofo alemão Immanuel Kant e o suíço Jean-Jacques Rousseau. O primeiro, responsável pela ideia de que nos tornamos autônomos através do individual exercício da razão. O último, por suscitar o interesse de uma época no papel das emoções em nosso desenvolvimento.

Segundo a autora, esses filósofos nos ensinam que o amadurecimento pessoal corresponde ao equilíbrio entre a nossa opinião sobre o que o mundo deve ser e aquilo que ele realmente é. 

Assim, Neiman conclui que: “crescer é uma maneira de reconhecer as incertezas que fazem parte da nossa vida; ou, ainda, [crescer] é viver sem certezas ao mesmo tempo em que admitimos jamais abandonar a sua busca.”

Um dos objetivos das minhas pesquisas de doutorado sobre Goethe é mostrar como —desde a formulação do imperativo categórico em Kant ao sujeito reflexivo da psicanálise freudiana— a busca por autonomia e maturidade insinua-se como um dos principais temas da modernidade.

No final do século 18, Goethe tornou-se uma das principais fontes para subsequentes gerações de artistas e intelectuais interessados nos desafios da maioridade em tempos tão incertos como os nossos; isto é, em momentos históricos marcados por mudanças radicais no âmbito da política, da cultura, da ciência e da tecnologia.

Um pouco mais tarde, nos Estados Unidos, o filósofo Ralph Waldo Emerson ressaltou a ideia de inspiração goetheana de que, para crescer e tornar-se autônomo, o homem deveria, acima de tudo, compreender e respeitar a sua própria natureza.

Por fim, Sigmund Freud —outro ávido leitor de Goethe—brindou-nos com uma teoria do inconsciente atrelada à hipótese de que o eu não teria fronteiras demarcadas e de que, por isso mesmo, o homem poderia se desenvolver de maneira surpreendente ao longo de toda uma vida.

Apesar das suas diferenças de método e abordagem, todos esses autores canônicos buscam legitimar os ideais de autonomia e maioridade que durante muito tempo informaram a nossa cultura.
Mas será que ainda vale a pena crescer?

Para Susan Neiman, hoje o mundo dá sinais preocupantes de regressão e imaturidade. Portanto, embora aquela tradição filosófica diga que sim, que vale a pena nos tornarmos adultos, os hábitos de nossa época estimulam que façamos o contrário.

Nesse descompasso entre a tradição iluminista e a prática dos nossos contemporâneos, como podem os ideais de maturidade e responsabilidade, que animaram as gerações anteriores, sobreviverem aos ataques que agora enfrentam?

Neiman acredita que a solução para esse descompasso reside em finalmente criarmos coragem de refutar as promessas de proteção e conforto que o ingênuo idealismo de nossa época oferece contra a vida e os seus riscos.

Ora, o exercício de uma racionalidade amadurecida e engajada exige certa valentia. Uma lição que os brasileiros reconhecem na sabedoria de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso. (...) O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.” @the_stardust

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