Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Fantástico estigmatizou comunidades terapêuticas?

Reportagem polêmica denuncia organizações religiosas que tratam dependentes de drogas por estimular proselitismo, preconceitos e rejeitar a ciência

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Comunidades terapêuticas são organizações religiosas que atuam tratando pessoas com dependência química. No último domingo (19) o Fantástico denunciou comunidades desse tipo que "recebem milhões do Poder Público para acolher dependentes, mas submetem internos a castigos…. Muitas delas têm vínculos religiosos e recebem dinheiro público, mas … oferecem tratamentos que não priorizam a medicina [e tratam dependentes usando] castigos físicos e racionamento de comida, segregação e repressão sexual, [e] doutrinação religiosa interferindo no cuidado médico." As equipes do programa investigaram três comunidades evangélicas e uma católica.

Vou "desempacotar" esse tema que tem muitos níveis de complexidade com a ajuda de acadêmicos e religiosos.

Dependentes químicos cuidam de horta em comunidade terapêutica - Edson Silva - 22.jun.2011/Folhapress

Kaká Menezes classificou como "covardia" que uma investigação de dois meses sobre quatro comunidades terapêuticas tenha servido de exemplo para as milhares de organizações que atuam há décadas no país sob fiscalização do governo. Evangélico e ativista filiado à Rede Sustentabilidade, ele se interessou por politicas públicas ao tratar da própria dependência às drogas e, nesse processo, criar uma comunidade terapêutica para atender outros na mesma condição, especialmente aqueles em situação de rua.

A Confenact (Confederação Nacional das Comunidades Terapêuticas) publicou online uma nota de repúdio à reportagem, criticando a parcialidade das conclusões. O texto cita, entre outros estudos, uma análise de 850 artigos publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, que conclui que "maiores níveis de envolvimento religioso estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral mais elevado) e a menos depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, uso/abuso de álcool/drogas."

O sociólogo Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, criticou a generalização, na reportagem, do argumento de que comunidades com vínculos religiosos rejeitam soluções científicas e usam o tratamento para fazer proselitismo religioso. "É importante afirmar que o aspecto religioso não deve ser visto como necessariamente oposto ao científico, podendo ser exercido de forma complementar e integrado à abordagem cientificamente orientada." Para ele, "eventuais ilegalidades devem ser investigadas e punidas, [mas] o tom da reportagem trouxe um sentido de estigma perante às comunidades terapêuticas religiosas".

Outros especialistas defenderam a relevância jornalística da reportagem. O antropólogo Paulo Victor Lopes, que estuda evangélicos no Brasil, concorda que haja algum esforço de mediação sobre o assunto, mas, para ele, a reportagem apresentou claramente crime e violação de direitos humanos. Nesse sentido, sobre o posicionamento do Observatório Evangélico, afirmou que considera "complicado passar pano para as situações demonstradas, ainda mais se tratando de denúncias que são antigas."

A pastora e teóloga luterana Romi Bencke lembrou que "faz tempo que o Conselho Federal de Psicologia tem chamado a atenção para tais práticas. Tudo que envolve saúde deve ser de responsabilidade dos e das profissionais de saúde. A espiritualidade ou espiritualidades, sejam elas quais forem, devem ser um apoio no tratamento, caso o paciente desejar."

A assistente social Isabel Azevedo, especialista em saúde mental, atuou como referência técnica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais visitando comunidades terapêuticas para autorizar o apoio financeiro do estado. Ela concorda com a reportagem sobre a importância de governos investirem em Caps AD (Centros de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas) e em UAs (Unidades de Acolhimento). "Existem tantas comunidades terapêuticas porque as pessoas mais pobres não têm muitas alternativas para encaminhar seus familiares. Eu moro em uma cidade de 230 mil habitantes e aqui não tem Caps AD."

Ela também considerou a reportagem parcial. "Essas comunidades que mostraram são manicômios mesmo. Só que também existem comunidades terapêuticas que funcionam. Eles deveriam ter visitado alguma que dá certo, mas só visitaram as que estão com problema. Ao fazer isso, a reportagem comprometeu a imagem de organizações que atuam corretamente e são fiscalizadas."

Para o pastor batista Pedro Virgílio, que lidera uma comunidade terapêutica no interior da Bahia, a matéria deveria ter citado que um dos personagens apresentados de forma negativa na reportagem, o deputado federal sargento Isidoro, recebeu verbas do governo do estado, cujo governador é do PT, para a manutenção de uma comunidade terapêutica. Para Virgílio, essa informação é relevante porque a retransmissora da Globo na Bahia pertence à família de ACM Neto, que concorrerá ao governo nas eleições deste ano.

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