Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer
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Erramos, faz 30 anos

Por elitismo, jornais negligenciaram o interesse de milhares de brasileiros pobres pelo protestantismo

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Decidi escrever sobre a imprensa e os evangélicos depois de uma conversa informal com um jornalista, editor-chefe de um veículo de circulação nacional, que é de família evangélica. Ele me contou que seus repórteres recorrentemente recusam pautas que preveem entrevistar evangélicos: "Eles pedem para pegar outra pauta".

"Em alguns casos", explica o editor, "a solução é contratar freelancers que sejam evangélicos ou que venham de famílias evangélicas", porque não têm o mesmo preconceito e dominam o assunto. Sabem, por exemplo, que a Assembleia de Deus é, em muitos aspectos, completamente diferente da Igreja Universal.

Na semana passada, pedi para jornalistas amigos divulgarem a informação de que o Observatório Evangélico está contratando um estagiário na área de comunicação. Depois de dar a notícia para seus alunos, um executivo da área que ensina em uma faculdade de elite me confidenciou: "Deu para ver o preconceito que ainda existe sobre esse tema. Os alunos reagiram [à menção da vaga] com estranhamento."

Presidente Jair Bolsonaro participa de culto do 1º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos, em Goiânia (GO)
Presidente Jair Bolsonaro participa de culto do 1º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos, em Goiânia (GO) - Alan Santos - 28.ago.21/PR

Aproveitei a oportunidade para ouvir as opiniões de jornalistas que atuam em veículos importantes do país. Alguns são evangélicos ou de família evangélica, outros, profissionais que passaram a refletir sobre o tema principalmente a partir de 2018, pela influência do campo evangélico na eleição de Bolsonaro. Todos pediram para falar "em off" por causa da "saia justa" de avaliar o próprio trabalho, de colegas, chefes e empregadores.

Um repórter que cobre política e é evangélico falou da dificuldade que teve para "vender pautas" sobre o tema para seus editores. Ele trabalhou durante anos para o site de um grande canal de TV. "Era 2010 e eu propunha pautas e recomendava entrevistarmos Feliciano, Malafaia, mas [os editores] consideravam isso bobagem, coisa sem importância… Agora essa negligência se tornou um problema [para os jornais], porque temos que explicar para os leitores como Trump e Bolsonaro foram eleitos, sendo que não cumprimos o papel de antecipar essas tendências," ele diz.

Para ele, "o jornalista precisa ter uma postura mais antropológica, sair para fazer a reportagem colocando sua maneira de pensar de lado e estar disposto a entender o outro." E conclui: "É por isso que a Anna Virginia [jornalista que cobre religião para esta Folha] é recebida por todos os pastores. Porque ela se interessa, vai para entrevistas com a cabeça aberta e demonstra respeito e humildade para entender as lógicas de quem pensa diferente dela".

Outro profissional, hoje repórter especial, que trabalhou nos principais veículos de comunicação do país, comenta sobre debates internos para incorporar colunistas evangélicos quando personalidades como a ex-ministra Damares Alves começaram a aparecer. "Se ela tem essa audiência, seria importante que esse grupo da sociedade fosse representado no jornal. Hoje temos colunistas negros, LGBTQIA+, mas nenhum evangélico. A ideia nunca saiu do papel."

O jornalista e colunista de outro veículo de circulação nacional menciona a falta de representatividade de evangélicos nas redações. "Não tenho dados para afirmar isso, mas se o Brasil tem hoje em torno de 30% de evangélicos, eu estimo que as redações não têm nem 10%… O meio jornalístico demonstra muito mais interesse em lutar contra o preconceito contra as religiões de matriz africana do que contra os evangélicos," conclui.

Um repórter e autor premiado atribui o desinteresse dos jornais pelos evangélicos à distância social — jornalistas noticiam assuntos das classes médias e altas, e evangélicos são, geralmente, pobres — e por uma dificuldade de o comunicador lidar jornalisticamente com o tema da fé.

Por conta disso, ele explica, "se tornou quase um vício jornalístico abordar pautas sobre religião em relação a poder… Muitas coberturas tratavam das igrejas e dos pastores como suspeitos de extorquirem fiéis e sonegarem imposto. Sempre com esse viés jurídico, de segurança pública, sem abordar o aspecto mais interessante e complexo que é: por que a crença e a fé estavam crescendo."

"E por causa dessas duas dificuldades," ele conclui, "a gente deixou de noticiar nos últimos 30 anos a emergência de uma das maiores transformações sociais, políticas e culturais que o país atravessou. A gente só foi descobrir isso com todas as cores a partir da eleição do Bolsonaro, pela influência que eles tiveram na votação."

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