Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Bem-aventurados os perseguidos

Igrejas evangélicas estão sendo cúmplices de perseguição religiosa e política e de assediar moralmente seus fiéis?

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Quando pensamos em perseguição religiosa, vem à mente a imagem de uma religião reprimindo representantes de outra. Nesta eleição, essa atitude foi superada: líderes e fiéis atacam, humilham e perseguem seus próprios irmãos e irmãs em Cristo.

O motivo da perseguição não é a igreja ter abandonado a posição de neutralidade para fazer política. Nem é o fato de líderes evangélicos terem abraçado a candidatura do presidente Bolsonaro e, por isso, usarem o espaço das igrejas para fazer propaganda eleitoral. O problema está em atacar e demonizar quem pensa diferente.

O pastor Nilson Gomes, da Assembleia de Deus, resumiu a indignação do evangélico que rejeita a bolsonarização das igrejas. Em uma pregação de 2019 que viralizou na internet, ele diz: "Eu sei [que] a Igreja tem sua vocação política. Eu não sou contra… Não quero nem saber em quem você votou. O voto é secreto, é livre e democrático. E você exerceu a sua obrigação e o seu direito de cidadão. Não é disso que eu estou falando, mas eu não posso me calar. E eu não vou me calar com pastores e igrejas que, para apoiar candidato, fazem arminha com a mão."

O pastor Sergio Dusilek, um homem branco, de cabelos brancos, prega em um púlpito.
O pastor Sergio Dusilek em evento de um ato de apoio à campanha de Lula (PT) para a Presidência da República, no Rio de Janeiro - 13.set.2022/Arquivo Pessoal

É tragirônico uma igreja que se diz perseguida perseguir e tornar um inferno a vida de alguns de seus pastores e fiéis. De um lado, pregam o medo da "ameaça comunista" e, do outro, praticam a mesma perseguição ideológica de regimes totalitários.

Repreendido por participar de uma reunião de pastores com Lula, o pastor batista Sérgio Dusilek escreveu: "Não contaminei o espaço religioso: o templo. Não profanei o sagrado: o culto. Tampouco violei a consciência de qualquer congregação. Estava em um clube, em um evento político, com cidadãos e cidadãs de variados matizes de fé e ideologias… [Entretanto,] os batistas permitiram acenos ao espectro político mais à direita, tolerando inclusive a fala presidencial em assembleia. Tampouco condenaram o apoio de líderes denominacionais a candidatos."

Neste domingo (25), no culto de posse do pastor batista Deividson Brito, transmitido pela internet, a igreja exibiu mensagem do presidente Bolsonaro. A Convenção Batista se manifestará como fez em relação ao pastor que declarou apoio a Lula?

A maneira como pastores e fiéis vêm sendo repreendidos, perdem seus cargos ou são cancelados e expulsos, a partir de decisões internas, sem prestar contas a suas comunidades, avisa como a dissidência é tratada.

É tragirônico também que essa nova inquisição esteja partindo de igrejas protestantes. Foram elas que lutaram e sofreram perseguições pela defesa da liberdade de culto, de expressão e de consciência. A ideia do estado laico é produto do ativismo protestante, para que estado e igreja existam separadamente e para que todas as formas de crer (e de não crer) tenham espaço.

Quantos fiéis vivem com medo e vergonha em suas igrejas porque não querem votar em Bolsonaro? O que temos de dados é o crescimento do número de desigrejados especialmente entre jovens, e os casos conhecidos de pastores afastados de suas funções. Entre eles, Ed Rene Kivitz, Odja Barros, Sérgio Dusilek, Edson Nunes, Tiago Arrais e Alan Gentil. É a ponta visível desse iceberg.

A pressão nas igrejas aumenta na medida em que metade dos eleitores evangélicos não pretende votar em Bolsonaro no primeiro turno. Sair da igreja é uma decisão cara e dolorosa para o crente comum. Ficar na igreja também pode ser traumático: viver escondido, silenciado, eventualmente perder cargos e ser excluído do convívio social dentro de suas comunidades de fé. Além de ouvir que você será punido por supostamente contrariar a vontade de Deus. Não é pouca coisa para alguém que crê.

Por isso, o ambiente das igrejas dominadas pelo bolsonarismo lembra o de empresas que acobertam atos de assédio sexual. A vítima muitas vezes silencia porque tem medo de sofrer retaliações e de ser estigmatizada.

Me pergunto, então, em que medida, juridicamente, igrejas – que deveriam oferecer acolhimento - estão sendo cúmplices de perseguição ideológica e religiosa, e de assediar moralmente e provocar problemas de saúde mental em uma parte dos fieis?

Erramos: o texto foi alterado

O nome correto do pastor é Nilson Gomes, não Nilton. O texto foi corrigido. 
 

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