Não faz sentido o bispo Edir Macedo desdenhar do Lula e do PT se ele quer se aproximar do governo federal. Mas no calor do anúncio da vitória de Lula, a mensagem do líder da igreja Universal a seus fiéis alcançou outras audiências e gerou uma conversa de linha cruzada entre ele a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. Alguém saiu vitorioso?
Durante a campanha presidencial deste ano, Macedo e sua igreja engrossaram o coro de lideranças evangélicas que pregaram que votar no PT era pecado e que não é possível a pessoa ser evangélica e ser de esquerda. Derrotado nas urnas, agora o bispo precisa recontar a história para os fiéis que acreditaram nele.
É isso que ele propõe ao dizer em vídeo distribuído online: "Não podemos ficar com mágoa, porque é isso que o diabo quer. O diabo quer acabar com a sua fé, acabar com seu relacionamento com Deus, por causa de Lula e dos políticos." E continua: "Nós oramos. Eu orei: ó deus, eu quero que o Bolsonaro ganhe, mas seja feita a tua vontade... Se você não perdoar, você não será perdoado, e a sua fé não vai valer de nada".
Mas Gleisi confrontou o líder de uma igreja com milhões de fiéis, dono de uma rede de TV importante, e fundador de um partido com mais de 40 deputados no Congresso Nacional e que elegeu os governadores de São Paulo e Tocantins, estando o país entrincheirado entre dois líderes. Ela fez bem em responder?
À primeira vista, esse caso lembra outros que expuseram a dificuldade que a esquerda tem para dialogar com o campo evangélico. Em 2018, o então candidato presidencial Fernando Haddad chamou o bispo Macedo de "charlatão" em uma entrevista a um canal de TV católico. E frustrou o empenho de mulheres da Universal para que a igreja não declarasse apoio a Jair Bolsonaro. Naquele ano, quase 70% dos evangélicos votaram contra o PT.
Depois que Gleisi respondeu o bispo Macedo, o antropólogo Ronaldo de Almeida, da Unicamp, passou o dia avaliando, com interlocutores, se a atitude foi ou não um "tiro no pé", e ele também entende que não foi. "Não é o caso de se alimentar um confronto com essa liderança," ele defende, "mas é importante fazer essa risca no chão dizendo: 'Não dá para você [o bispo] se colocar nessa posição de quem julga e condena os outros'".
Evangélicos como Edir Macedo e Silas Malafaia são pragmáticos. Ronaldo lembra, por exemplo, que o bispo Macedo recebeu passaporte diplomático do governo Lula e a presença do PT na África favoreceu o crescimento da Igreja Universal no continente. E que no governo Bolsonaro, a Rede Record se beneficiou do orçamento que antes ia para a TV Globo. "Eles estarão sempre próximos a quem está no poder. Não irão embora por causa da resposta da Gleisi porque agora é o Lula que terá a caneta", ele conclui.
Há outras camadas de complexidade nessa questão. A antropóloga Edlaine Gomes, da UniRio, avalia que talvez não tenha sido estratégico promover a polêmica a partir de uma fala dirigida a um público interno. "Há décadas as igrejas vêm associando política e religião," ela argumenta, "e o governo novo terá problemas se não entender e aprender a dialogar com isso."
Para Edlaine, o desafio do governo eleito será "pensar políticas públicas concretas, que disputem a confiança ao menos de parte desse segmento tão heterogêneo, para além das lideranças".
Para o antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, a resposta de Gleisi acontece ainda no contexto de campanha e não como representante do governo. "Além de acenar para as bases da esquerda antievangélica, ela também separa o bispo dos outros evangélicos, fortalecendo a escolha de líderes e fiéis que votaram no PT a despeito da força de muitos pastores dizendo o contrário."
Dissidentes evangélicos celebraram a mensagem. Um pastor confidenciou sua reação à atitude da presidenta do PT: "Não sei qual será a consequência política desse ato, mas a resposta dela lavou a minha alma."
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