Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Acadêmicos e evangélicos concordam no repúdio a reportagem sobre tráfico

Seria o caso de perguntar: 'traficante laico existe?'

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Neste Brasil conflagrado e dividido, é notável quando acadêmicos e evangélicos concordam. Esse alinhamento raro se deu após publicação da reportagem "‘Narcopentecostalismo’: traficantes evangélicos usam religião na briga por territórios no Rio", da BBC Brasil, reproduzida por esta Folha e por O Globo na semana passada.

É um texto longo e ponderado, com as perspectivas de vários pesquisadores sobre a relação entre crime e religião. O problema foi o uso do termo "narcopentecostalismo" no título, que causa dois efeitos: atrai a atenção de leitores pelo sensacionalismo e fortalece a ideia, entre evangélicos, de que a grande imprensa, especialmente Folha e Globo, perseguem e difamam esses cristãos.

O pastor Silas Malafaia a criticou em uma live: "É ridículo tentar vincular evangélicos ao narcotráfico. Se algum pastor canalha está se vendendo para traficante, ele vai responder diante de Deus e não nos representa. E isso não é [numericamente] representativo em relação ao que somos".

Na Cidade de Deus, moradores aguardam para receber ajuda alimentar em 2020, durante a pandemia de Covid - Mauro Pimentel - 7.abr.20/AFP

O sociólogo Diogo Corrêa perguntou: "Existe traficante laico?". Ele é autor do recém-publicado "Anjos de Fuzil" (EdUerj), sobre a relação entre crime e religião na Cidade de Deus, no Rio. Para ele, traficantes e evangélicos se influenciam mutuamente e de maneira complexa em favelas, mas isso não levou a uma fusão. "Afinal", Diogo analisa, "moradores, traficantes e crentes da Cidade de Deus continuam a saber diferenciar o que é um traficante e o que é um crente".

A antropóloga da UFF Christina Vital estuda a paisagem religiosa em favelas cariocas desde os anos 2000. Ela escreveu sobre a reportagem: "Não se encontram hoje igrejas cuja liderança e membresia sejam de traficantes na ativa e muito menos podemos falar de igrejas conduzidas por pastores que sirvam exclusivamente a traficantes. A aproximação desses traficantes, no mais das vezes, acontece pela demanda por proteção ou pelos valores morais de referência que partilham por serem moradores de áreas cuja presença evangélica é dominante".

Essas críticas não são novidade. Em 2019, a revista Época destacou na capa a reportagem "Entre Bíblias e fuzis". O deputado e pastor Otoni de Paula criticou: "Todos sabem que o tráfico vai aos terreiros tomar um banho, fechar o corpo pra ir pra pista. Aqui não foi da parte deste deputado nenhum ataque às religiões de matriz africana, apenas para mostrar que há um ataque organizado às igrejas evangélicas no Brasil".

Em vez de destacar a informação que reforça estigmas, há o caminho de questioná-los para apontar como o fenômeno evangélico é diverso e surpreendente. A revista Piauí fez isso na semana passada publicando um perfil com o título sugestivo: "Um evangélico e antifascista na elite da tropa".

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