Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer
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Jornais protegem religiões de matriz afro?

No noticiário, pastor é pastor, mas umbandista é 'líder religioso'

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No final de 2023, veículos importantes de comunicação noticiaram um caso envolvendo um "líder religioso" de Minas Gerais, acusado de importunação sexual e estupro. Paralelamente, na mesma semana, esses jornais também divulgaram o caso do pastor Davi Passamani, que renunciou ao seu cargo pelas mesmas acusações.

O que chama atenção aqui é a diferença no tratamento da informação. No primeiro caso, a religião do acusado foi omitida, enquanto no segundo, a identificação como pastor foi claramente mencionada. Uma investigação superficial aponta que apenas esta Folha, entre os veículos de circulação nacional, identificou o primeiro acusado como um praticante da umbanda.

Essa escolha editorial —de revelar ou ocultar a filiação religiosa— pode passar despercebida pela maioria das pessoas, mas ganha relevância entre os aproximadamente 30% da população brasileira que se identificam como evangélicos. Para esse grupo, tal abordagem sugere um viés de preconceito por parte da mídia em relação à sua fé.

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Fiéis assistem a culto dominical na Assembleia de Deus em Belém (PA), com a presença do pastor Samuel Câmara - Thiago Gomes/Folhapress


Em um grupo de WhatsApp composto por evangélicos, um pastor destacou essa discrepância com palavras diretas: "Essa abordagem da imprensa é sempre chapa-branca quando não são evangélicos.

Depois ficam tentando entender o porquê de os evangélicos não acreditam na grande imprensa e preferem se informar nas "Terças Livres" e "Revistas Oeste" da vida.

Entretanto, a complexidade do tema se aprofunda. Em uma conversa no mesmo grupo, outro evangélico observou com franqueza: "Enquanto religiões de matriz africana na mídia tradicional usufruem de privilégios de tratamento dos quais os evangélicos não usufruem, acho que ninguém aqui acredita que as religiões de matriz africana, na sociedade brasileira, não sofram perseguição, inclusive por parte de evangélicos."

Para o antropólogo Bruno Reinhardt da UFSC, é importante considerar a diferença no tamanho do campo evangélico em comparação com o das religiões de matriz afro. "Concordo com a crítica ao critério duplo, mas ela também esconde certa resistência típica dos evangélicos de se assumirem como maioria", ele avalia. Ele defende que os privilégios que vêm com a grande representatividade que evangélicos têm hoje trazem consigo responsabilidades. "A Igreja Católica, por exemplo, raramente recorre a uma retórica persecutória quando é submetida ao mesmo fenômeno."

Jornais estão lutando para se manterem relevantes neste contexto em que todo mundo tem seu estúdio de TV dentro do próprio smartphone. Para isso acontecer, o jornalismo pode escolher entre a lógica do "click bait" e das notícias rasas ou ajudar a sociedade a se pensar e a se entender, o que dá mais trabalho.

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