"Em muitas coisas, a extrema direita não é inteligente", analisa o sociólogo Diogo Corrêa da EHESS em Paris. "Mas em outras, ela é genial. E a estratégia de expandir o conceito de corrupção política para incluir a ‘degeneração moral’ é brilhante."
O PT e a esquerda vêm sendo vítimas de campanhas de difamação realizadas por evangélicos bolsonaristas há vários anos. Estes associam os escândalos de corrupção expostos pela Lava Jato à defesa de pautas como direito ao aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo. A queda contínua na aprovação do governo entre evangélicos pode ser explicada dessa forma.
Há uma questão de linguagem. Usa-se a Bíblia como uma espécie de código. Quem não tem esse repertório não sabe o que está sendo dito ou não avalia seu efeito. Por exemplo, quando o deputado Nikolas Ferreira chama o presidente Lula de "o nosso inimigo" —como fez repetidamente durante o evento de apoio a Bolsonaro em fevereiro—, ele conecta os campos da política e da religião. Se o inimigo de Deus é o Diabo, o inimigo do povo evangélico é…
O bolsonarismo não é unanimidade entre evangélicos, mas a resistência a ele tem enfraquecido nas igrejas. Depois de duas campanhas presidenciais debatidas como disputas entre o bem e o mal, poucos membros questionam quando escutam frases como "bandido bom é bandido morto". Uma parte deles se afastou de sua comunidade de fé e hoje está desigrejada, outros silenciam para não serem banidos do convívio social e perderem acesso às redes de solidariedade disponíveis nesses espaços.
"O bolsonarista continua lá, conversando com as pessoas em todos os cultos", explica o sociólogo Leonardo Rossatto, que é evangélico. "Já o governo Lula é visto como algo externo às igrejas. E segundo a lógica maniqueísta do pentecostalismo, quem está de fora é inimigo."
Para o pastor Kaká Menezes, da Rede, o governo Lula está certo em se concentrar em pautas como saúde, educação e habitação. "Mas hoje, quem fala em pobre pode ser acusado de defender o comunismo", ele analisa. "A esquerda precisa resgatar o aspecto social da Bíblia para fortalecer debates sobre pobreza, racismo e sustentabilidade dentro das igrejas."
Evangélicos, inclusive os que têm baixa escolaridade, podem ser incrivelmente eruditos no conhecimento da Bíblia. Isso não deve ser visto —muito menos ridicularizado— com um jeito de falar em línguas estranhas. Os resultados das eleições municipais no segundo semestre indicarão, entre outras coisas, a eficiência das campanhas para empacotar suas ideias e propostas para quem interpreta o mundo a partir de referências bíblicas.
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