Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

De quem é o problema?

Quem nada vê além dos próprios desejos, coloca em risco o sistema como um todo

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Parece não ser novidade que vivemos tempos umbigais (pandemia de egoísmo que assola o planeta).

Gente de toda espécie adora levantar o nariz, estufar o peito, jogar a franja para o lado e dizer com ares professorais: “Estou fazendo a minha parte”.

Vamos tentar esclarecer alguns pontos desse tipo de postura para ver se avançamos com a discussão e quem sabe, com um pouco de sorte, conseguimos colaborar para a melhoria do planeta.

Há diferentes publicações em psicologia do esporte que demonstra que um bom time é muito mais do que a soma de valores individuais. Ou seja, essa gente boa que costuma bater no peito e dizer que resolve o jogo sozinho provavelmente faz o ponto, mas não garante a vitória do time. É até compreensível que um sujeito como esse pouco se importe com o resultado coletivo, afinal, sua contribuição já está dada.

Para alguns, ser o melhor em quadra já basta, mesmo que o campeonato tenha sido vencido pelo adversário.

Medalhas do Brasil na ginástica artística do Pan de Lima, em 2019
Medalhas do Brasil na ginástica artística do Pan de Lima, em 2019 - Washington Alves/COB

Esse tipo de percepção não se refere apenas às modalidades coletivas. Sabe-se, perfeitamente, que os resultados obtidos mesmo em esportes individuais são fruto de um trabalho que envolve muita gente que soma diferentes saberes e habilidades. Enquanto a luz incide sobre o vencedor, trabalham à sombra inúmeras pessoas de forma direta e indireta para essa projeção se dê.

Ao que tudo indica, grande parte da sociedade caminha na direção de cuidar bem do seu, seja lá o que isso queira dizer.

Das questões cotidianas, como fazer a mesa do café e colocar apenas a própria xícara, o pão e o queijo exclusivos, sem se preocupar com quem mais irá sentar e se servir. Usufruir daquele prazer egoísta e solitário de cuidar da própria fome. Um banquete bem-sucedido se faz com a satisfação de todos os comensais, não apenas de quem se senta à cabeceira. Assim é com a vida, e o mesmo se dá no esporte.

Vamos então tentar entender qual é e de quem é o problema.

Quando se olha para o lado e não se vê nada além dos próprios desejos e das próprias necessidades, coloca-se em risco o sistema como um todo.

Nenhuma seleção se sustenta sem que a cadeia produtiva esteja bem estruturada. Quando se tem um pré-mirim, mirim, infanto, juvenil desestruturados, isso coloca em risco uma seleção, mesmo que campeã.
Chegar ao topo não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é se sustentar na primeira posição.

Na década de ouro do esporte brasileiro, assistimos a conquistas inimagináveis.

Modalidades que morreram na praia durante anos experimentaram a luminosidade suprema do lugar mais alto do pódio. E dali acreditaram na perpetuação de um instante possível apenas graças aos anos de trabalho de muitas pessoas dedicadas, que souberam, depois de muita derrota, que todo resultado expressivo é possível pela força da equipe, por mais brilhante que seja algum de seus componentes.

É mais do que tempo de perceber a complexidade dos sistemas e os desdobramentos possíveis de uma intervenção específica. A alteração de uma única peça pode desestruturar todo o conjunto, ainda que ele seja sólido, resistente e longevo. As vitórias no esporte precisam de muitos anos para serem alcançadas.

Já cantava Lamartine Babo: “Mais alto o coqueiro, maior é o tombo, num ponto afinal, todo mundo é igual, todo mundo termina, com terra por cima e na horizontal”.

A paixão não é nada sem o outro. Vale então recomendar um pouco mais de prudência a quem hoje se encontra no topo. Tratar as categorias de base com desdém pode levar à inanição os donos de terras férteis no presente.

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