Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Termo ex-atleta é equivocado, e um atleta jamais será ex

Competidores não apagam de suas memórias todas as vitórias, derrotas e dores experimentadas ao longo de suas existências

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lamento pelo desconhecimento de alguns que promovem erros por pura ignorância. Em tempos de Jogos Olímpicos abundam as pérolas sobre atletas do passado. Equivocam-se aqueles que se referem a essas pessoas ilustres nomeando-as como ex-atletas ou, pior, ex-olímpicos. Sou capaz de surtar se ouvir ex-medalhista. Vou tentar colocar as coisas no seu devido lugar.

Atletas são pessoas que carregam no corpo a marca de sua atividade. Não como uma tatuagem, escolhida a dedo e executada como uma obra de arte para durar a vida inteira —ou até que uma cirurgia plástica a apague. Atletas carregam essa marca mais como uma cicatriz, daquelas que nem um bom cirurgião é capaz de retirar ou refazer, porque está ali e pronto. Foi feita em função de alguma escolha ou acidente e cada vez que se olha para ela é capaz de sentir a dor do momento em que foi adquirida.

Por isso o termo ex-atleta é equivocado. Um atleta jamais será ex. Basta que se toque no assunto para que as imagens vividas no passado retornem à memória com o mesmo peso e intensidade de quando aconteceram. Alguns deixam de assistir a qualquer campeonato, seja pela TV ou ao vivo, por não suportar a dor da impossibilidade da performance.

No seu corpo também estão impressas essas marcas na forma de desgastes, lesões ou mesmo na capacidade única de se refazer das agruras do tempo. Há um código que pode ser acionado pela lembrança genética de um momento em que executar um movimento era quase automático.

Daí minha ideia de se referir a um atleta do passado com o termo pós-atleta.

Isso mesmo. Atletas não apagam de suas memórias todas as vitórias, derrotas e dores experimentadas ao longo de suas existências. É preciso muito esforço para elaborar aquilo que já não se tem.

E essa elaboração ocorre de diferentes maneiras, como a sublimação das conquistas com novas conquistas pessoais, familiares, sociais, artísticas, acadêmicas ou o que mais a vida se incumbir de revelar ao longo da segunda vida que o atleta viver. Feito isso de forma saudável, as lembranças da vida vivida como protagonista nas competições esportivas serão incorporadas a quaisquer papéis sociais que venham a ser desempenhados onde quer que esse ser humano decida viver.

No caso de atletas olímpicos, essa discussão ganha contornos mais amplos em função de todo o universo simbólico que a experiência olímpica lhes dá. Poucos têm o privilégio de realizar o arquétipo do herói, aquele ser capaz de levar multidões a estádios e ginásios, em momentos de espetáculo. Ainda que alguns queiram minimizar essa condição, afirmo que não há como desfazer ou apagar essa vivência.

Aqueles poucos dias de experiência da universalização pela convivência estão estampados no corpo e na alma somente de quem esteve e participou da abertura, da competição ou do encerramento de uma edição olímpica. Não há como adquirir essa condição única sem estar nessa posição.

Viver a competição olímpica é para atletas que conquistaram uma vaga, na busca cotidiana pela excelência, pela insatisfação com o resultado presente, pelo esforço incessante da perfeição, nos diferentes certames promovidos para esse fim. Nenhum atleta olímpico será ex-olímpico. Essa é uma marca absolutamente pessoal e intransferível.

A condição de atleta é parte de uma identidade construída e carregada pela vida afora. E não basta a nomeação de “ex” para que lhe seja retirada da memória ou da alma. Uma vez olímpico, sempre olímpico.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.