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Precisamos do multilateralismo para enfrentar a pandemia

A América Latina tem chance de se posicionar em um mundo cada vez mais cheio de problemas

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Matías Bianchi

Cientista político, é diretor do grupo de reflexão Asuntos del Sur. Dirigiu o Instituto Federal de Governo na Argentina

Ignacio Lara

Cientista político, é mestre em Mercados e Instituições do Sistema Global e doutor em Política e Instituições pela Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão

A Covid-19 irrompeu num mundo desordenado dominado por organizações multilaterais fracas e subfinanciadas, minadas pelas tensões geopolíticas em ascensão entre a China e os Estados Unidos.

Isso repercutiu em como se tomaram as medidas para enfrentar a pandemia, predominando soluções nacionalistas para fechar fronteiras, comprar suprimentos médicos e vacinas.

Também impactou na eficácia das medidas, com um "apartheid" de países ricos e inoculados e outros e que a pandemia corre o risco de se tornar endêmica.

Ainda enfraqueceu as soluções multilaterais, com uma Organização Mundial da Saúde cujo principal contribuinte é uma fundação privada (Gates Foundation).

Dessa organização surgiu a Covax, o sistema colaborativo de vacinação a nível global que começou a distribuir vacinas três meses depois que os países ricos começaram a vacinar e que, na melhor das hipóteses, cobrirá um quinto da população.

Essa situação deveria preocupar os latino-americanos. Aqui a pandemia atingiu a população como em nenhum outro lugar do mundo.

Embora sejamos um pouco menos de 9% da população mundial, chegamos a representar um quinto dos contágios e 30% das mortes em todo o mundo no final de 2020.

É também a região mais afetada economicamente, com uma queda de 8% na atividade, o fechamento de 2,7 milhões de empresas e uma queda em duas de cada dez remessas recebidas.

Isso gerou 28 milhões de novos pobres –um número semelhante a toda a população venezuelana– e 15 milhões de pessoas em extrema pobreza.

Desafios altamente complexos como a Covid-19, "superemaranhados" ou "super wicked", como são chamados na literatura de políticas públicas, distinguem-se por quatro fatores concorrentes.

O primeiro é a necessidade de uma solução urgente.

O segundo é a coincidência entre aqueles que causam o problema e aqueles que querem resolvê-lo.

Terceiro, a fraqueza ou a inexistência de uma autoridade sobre as partes para tratar do assunto.

E, por último, mas não menos importante, o potencial das ações atuais para acrescentar mais problemas para o futuro.

Esses tipos de problemas exigem maior cooperação e coordenação entre os países.

Entretanto, não houve uma ação concertada dos países da região em resposta à pandemia, além de ações específicas e bilaterais.

E a última Cúpula do Mercosul, na qual o presidente do Uruguai, Lacalle Pou, descreveu o bloco como um "fardo", é sintomática da crise dos projetos regionais.

Tem havido um "esvaziamento latino-americano" das políticas comuns. Uma situação paradoxal, considerando que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) é a mais antiga agência internacional de saúde pública do mundo.

Diante do desmembramento da União Sul-Americana de Nações e o consequente desaparecimento do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, não se ergueu uma instância regional alternativa.

Enquanto isso, as reuniões virtuais promovidas pela Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e pelo Prosul (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul) não se traduziram em ações.

O Mercosul também se destacou por sua ausência, quando no passado haviam sido alcançados resultados concretos no campo da regulamentação setorial e, a partir de sua Comissão Intergovernamental sobre Política de Drogas, as patentes haviam sido negociadas com laboratórios.

Outros organismos, como a Comunidade Andina das Nações, o Sistema de Integração Centro-Americana e a Comunidade Caribenha mostraram algumas iniciativas de articulação de seus Estados-membros, mas não foram suficientes para ter um impacto substantivo a nível latino-americano.

É por isso que é inevitável recuperar espaços para a coordenação política, evitando os erros do passado e tomando nota das lições aprendidas com a experiência.

Nesse sentido, o ex-secretário geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Ernesto Samper, argumenta a necessidade de uma convergência dos órgãos existentes, mas sob a coordenação política da Celac.

Também é necessário um enfoque diferente, que vise uma governança multilateral colaborativa –o chamamos de 3M– que seja ao mesmo tempo multilateral, multinível e multifuncional.

Em outras palavras, a mesa de decisão política deve logicamente ser composta por organizações internacionais, organizações da sociedade civil (internacionais ou regionais), bem como as grandes fundações filantrópicas cujo financiamento é fundamental para a manutenção dos orçamentos dos programas globais.

Aqui, os atores locais desempenham um papel fundamental por seu conhecimento e legitimidade no território, que outros atores não possuem –em maior ou menor grau.

Qualquer política global, quer seja acordada a nível regional, hemisférico ou internacional, deve necessariamente passar por um processo de adaptação ao contexto local, sem que isso dissipe o foco e o objetivo.

É também essencial incorporar o setor privado, especialmente as grandes empresas multinacionais, que em alguns casos têm orçamentos maiores do que os de muitos países e possuem interesses específicos, seja para cooperar ou não.

O contexto exige ser proativo e responder com maior coordenação, colaboração e compromisso, por meio de um plano de longo prazo que aposta estrategicamente em operar sob o guarda-chuva da Celac.

Esse plano não só é urgente para enfrentar a pandemia mas é uma oportunidade histórica para a América Latina se posicionar em um mundo cada vez mais cheio de problemas "superemaranhados".

Os custos de não fazer isso já estão à nossa frente.

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