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Brasil enfrenta nova ameaça de ruptura democrática

Acontecimentos críticos no país são mais do que perturbadores da ordem institucional; são fatores desestabilizadores

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Sérgio Abranches

Sociólogo, escritor e analista da rádio CBN. É autor de “Presidencialismo de Coalizão - Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro” e “O Tempo dos Governantes Incidentais” (ambos da Companhia das Letras), entre outros livros

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O Brasil vive dias trágicos de dramas pessoais e coletivos no meio da crise pandêmica.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em curso no Senado Federal para investigar as ações do presidente, captou a atenção dos brasileiros como se fosse um "reality show".

Os testemunhos, mesmo os mentirosos ou contraditórios, descrevem um governo insensível que recusou o acesso a vacinas e encorajou o uso de drogas ineficazes e perigosas.

Um presidente que repetia por diversas vezes ao seu séquito de fanáticos que seria necessário permitir que 70% da população fosse infectada para deter a pandemia, até que as mortes fossem tão elevadas que ele pudesse sofrer um impeachment.

Os erros e omissões do governo, revelados pela investigação, são suficientes para apoiar casos de responsabilidade criminal no Congresso e casos de direito comum no Supremo Tribunal.

O pior momento em 150 anos

O país está no seu pior momento em 150 anos.

Tem atravessado uma crise econômica desde 2013. Em 2015/2016 atravessou a pior recessão desde 1929 e, antes da recuperação da economia, a pandemia forçou a interrupção de grande parte da atividade econômica.

Em 2020, a economia caiu 4,1%. E, em janeiro de 2021, cerca de 27 milhões de pessoas viviam abaixo da linha de pobreza extrema, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os rendimentos do trabalho, segundo a mesma fonte, diminuíram em média 19%, e entre os jovens, mulheres e negros, em cerca de 23%.

A inflação acumulada de 12 meses foi de 6,76%, nos primeiros quatro meses de 2021, a mais elevada desde dezembro de 2016, e as estimativas indicam que está a aumentar, o que poderá ter um efeito devastador na popularidade do presidente.

A desaprovação a Bolsonaro, em alta desde o início do ano, atingiu 45% em maio de 2021, de acordo com a Datafolha, e a aprovação, de 24%, nunca foi inferior.

A maioria, 58%, já não o considera capaz de liderar o país, e um presidente impopular paralisa o processo de tomada de decisões, produzindo estagnação e crise.

O presidente Jair Bolsonaro gesticula durante discurso em evento no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro durante discurso em evento no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 10.jun.2021/Folhapress

A pandemia acrescentou um ingrediente explosivo.

Neste mês, o país contabilizou cerca de 17 milhões de infectados e perto de meio milhão de mortos, com uma tendência ascendente.

Esse avanço descontrolado da doença e a inadequação do programa de vacinação foi o que levou à convocação da comissão de investigação do Senado.

As provas documentais e testemunhos demonstraram o grau de negligência e negação do governo de Bolsonaro em relação à pandemia, o que levou à primeira grande manifestação a exigir o seu impeachment desde o início da epidemia.

A maioria das análises dos processos de impeachment considera as manifestações de rua uma condição necessária, embora não suficiente. Outra condição, tal como a necessidade de uma investigação, já ocorreu.

A politização das Forças Armadas

Vários acontecimentos recentes mostram uma politização inusual de oficiais ativos e reformados das três Forças, que participam extensivamente do governo Bolsonaro, ocupando ministérios e posições de segundo e terceiro escalões.

Nesse contexto, a recusa do comando do Exército em sancionar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, um general ativo, por participar de uma manifestação política com Bolsonaro –expressamente proibida pelo Regulamento Disciplinar do Exército–, suscitou grande preocupação.

Pazuello, agora conselheiro presidencial na Secretaria de Assuntos Estratégicos, poderia ser processado pelo Senado por um crime contra a saúde pública.

Bolsonaro talvez imagine que o episódio da subordinação do Exército, aceitando o veto presidencial a uma sanção estatutária, servirá também para intimidar os senadores. No entanto, ele tem uma minoria na comissão de investigação e no Senado.

Bolsonaro apelou a manifestações em reação às investigações, à ameaça colocada pelo ex-presidente Lula ao seu projeto de poder e à perda de popularidade.

E tal como em outros casos ele apareceu a cavalo, como Mussolini costumava fazer. Nesse caso ele pediu um desfile de motocicletas, imitando o desfile fascista dos anos 30. A imitação aberta da estética fascista não é fortuita, é deliberada.

Recentemente, um conselheiro do governo ligado ao presidente e aos seus filhos fez um gesto de supremacia americana durante uma declaração do ex-chanceler Ernesto Araújo na Comissão de Relações Exteriores do Senado.

Bolsonaro convidou o ex-ministro Pazuello para acompanhá-lo num ato político, sabendo que estaria a desrespeitar os regulamentos disciplinares do Exército e que o comando tentaria sancioná-lo.

O presidente está a testar os limites institucionais da democracia brasileira, enquanto eles desconfiam das suas atitudes.

Ainda assim, a CPI já tem elementos para denunciar Bolsonaro, Pazuello e vários outros funcionários do governo por incumprimento na pior crise de saúde pública do país, segundo o presidente e relator da comissão.

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello consome uma bebida durante depoimento à CPI que investiga a pandemia de Covid no Brasil
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em depoimento aos senadores na CPI que investiga a pandemia de Covid no Brasil - Pedro Ladeira - 20.mai.2021/Folhapress

Há uma convergência explosiva de acontecimentos críticos no país. São mais do que perturbadores da ordem institucional democrática, são fatores desestabilizadores.

A crescente indignação popular com o tratamento da pandemia e da crise econômica e social provocam insegurança coletiva, medo e reações iradas que se refletem na pressão sobre Bolsonaro nas ruas.

Confrontado com investigações que poderiam levar a um impeachment, o presidente ameaçou publicamente decretar um estado de sítio e utilizar o Exército para garantir a ordem pública.

A subordinação do comando do Exército a Bolsonaro, não cumprindo a determinação do regimento de punir os atos de indisciplina e violação da hierarquia, implica um novo risco institucional.

Hierarquia e disciplina são regras de ouro que sustentam os pilares da corporação militar.

A aceitação da quebra de ambos por um general ativo pode ter um efeito dominó, desencadeando manifestações políticas de oficiais e soldados de patente inferior, até então contidas por essas regras consideradas inquebráveis.

A politização dos militares representa um sério risco institucional para a democracia. Só com a ajuda deles é que Bolsonaro poderia fazer uma transição para um regime autocrático.

Essa convergência de fatores de desestabilização político-institucional num macroambiente de crise é extremamente perigosa para a democracia brasileira.

Para complicar ainda mais o quadro, Bolsonaro mostra sinais cada vez mais claros de que pode não aceitar um resultado desfavorável nas eleições do próximo ano e já começou, como Trump fez nos Estados Unidos, a espalhar suspeitas de fraude eleitoral.

Afirma que teria sido eleito no primeiro turno em 2018 se não houvesse fraude e que uma nova fraude está a ser preparada para derrotá-lo em 2022. Disse também que não aceitará um resultado "suspeito".

A questão-chave é se os militares lhe darão a cobertura de que necessita para anular as eleições.

Sem apoio militar, Bolsonaro carece de força e será apenas um governante incidental que chegou ao poder numa eleição inusual e que poderá ser expulso noutra inusual eleição.

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