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Peru: as estreitas cornijas de Pedro Castillo

Resultado oficial das eleições de junho ainda não foi anunciado

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Luis Pásara

É um sociólogo do direito. Ensinou no Peru, Espanha, Argentina e México. É bolsista sênior da Fundação “Due Process of Law Foundation” e tem estudado sistemas de justiça na América Latina.

O provável novo presidente do Peru, Pedro Castillo, parece ter vencido os múltiplos obstáculos interpostos por Keiko Fujimori, derrotada no segundo turno das eleições de 6 de junho. Uma vez proclamado vencedor pelo órgão eleitoral, após uma vitória apertada por apenas quarenta mil votos dos cerca de 19 milhões de eleitores, Castillo deverá tomar posse do cargo em 28 de julho, quando o país comemora o bicentenário da sua independência. A partir daí, o novo presidente deverá enfrentar os consideráveis desafios que o esperam para os cinco anos de mandato.

Entretanto, três semanas após sua derrota, a oponente –a filha do ditador Alberto Fujimori condenada a 25 anos de prisão por corrupção e violações dos direitos humanos– não reconheceu a vitória de Castillo. Keiko Fujimori sustenta que uma fraude a prejudicou, continua organizando marchas de protesto –que já resultaram numa morte entre os seus adversários– e apresentou múltiplos recursos sem provas que não tiveram qualquer efeito. Os Estados Unidos, a União Europeia e os observadores internacionais sublinharam a transparência das eleições.

OS DESAFIOS DE CASTILLO

Castillo, contudo, deve preparar-se para uma fase muito mais dura, quando se abrem várias frentes em um contexto social onde se multiplicam as demandas que exigem soluções. Atualmente, vários conflitos sociais afetam a diversos setores da sociedade, mas principalmente as indústrias extrativas. Em maio deste ano, a Defensoria do Povo identificou 191 conflitos, que podem aumentar com a chegada do novo governo.

Em primeiro lugar, o mandato de Castillo é legítimo, mas o respaldo de 50,1% do eleitorado é insuficiente para empreender uma grande transformação. Em segundo lugar, o partido que o apresentou como candidato adere a um marxismo-leninismo conservador em assuntos como família e gênero, e mantém um programa anacrônico. E, em terceiro lugar, o primeiro turno das eleições definiu que há dez partidos ocupando lugares no Congresso. Neste contexto, encabeçar o Poder Executivo não será suficiente para provocar uma mudança radical.

Pedro Castillo sabe disso. É um homem de origem humilde, professor e evangélico que vem de um pequeno povoado andino onde trabalhou até agora. Em 200 anos de vida independente, o país nunca viu um homem com esse perfil chegar à presidência.

Castillo se formou como dirigente sindical no sindicato dos professores e, quando decidiu entrar para a política, pretendia formar um partido baseado nos professores do país, que totalizam mais de meio milhão. A tarefa de recolher assinaturas a fim de registar o partido junto das autoridades eleitorais foi interrompida em 2020 por restrições impostas pela pandemia. Foi então que os líderes do Peru Libre –um partido regional no centro do país que tem registo eleitoral– lhe ofereceram a candidatura porque o fundador do partido e candidato ao cargo tinha acabado de ser condenado pela justiça devido à sua má gestão de fundos públicos.

OS FANTASMAS DO COMUNISMO

À ideologia radical do Perú Libre foi acrescentada a participação de professores vinculados ao MOVADEF –agrupamento que busca, por meios legais, aquilo que o Partido Comunista do Peru-Sendero Luminoso se propunha alcançar com as armas– o que levou os principais meios de comunicação a identificar Castillo com o comunismo. Isto plantou a ideia de que, se eleito, o país se tornaria uma Venezuela.

Embora a campanha a favor de Keiko Fujimori tenha sido alimentada pelo medo do comunismo e desprezo pelo professor camponês, a maioria acabou por escolher o candidato que mais se assemelhava a eles.

“O professor” não esconde suas limitações e refugiou-se em discursos que abundam em generalidades. É por isso que alguns comentadores concordam que não se sabe o que ele vai fazer no cargo. Contudo, em maio apresentou um plano de governo para os primeiros cem dias que evita o radicalismo, mas mantém a necessidade de rever os contratos que outorgam um tratamento excessivamente favorável a explorações mineiras e gasíferas.

COMO SERÁ A BANCADA GOVERNISTA?

A recente aproximação de assessores da esquerda educada fora do Peru Libre tem tonificado as definições do futuro governo e deu origem a certas lutas com os líderes do partido, o que traz outra frente nos assuntos internos do governo.

A fissura provavelmente se replicará na representação parlamentar do Peru Libre, que conta com 37 congressistas de um total de 130. Aparentemente, uma porção deles foi selecionada pelo próprio Castillo e outra pela liderança do Peru Libre, portanto, nas próximas semanas se poderá saber se o governo tem a sua própria bancada ou se irão surgir divisões.

Se os 37 congressistas atuarem unificadamente, provavelmente se juntariam a eles outros 13 da esquerda e do centro, que juntos não chegariam a uma maioria. A direita, no entanto, contaria com, pelo menos, três forças que somam 44 congressistas. Três outros grupos, com 36 parlamentares, provavelmente se dividirão ou concordarão com a direita ou a esquerda de acordo com a sua conveniência.

Castillo terá de ter muito cuidado para, por um lado, manter a bancada do Peru Libre unida e, por outro, contar com a flexibilidade necessária para fazer acordos com as forças que mostram abertura a acordos circunstanciais. Se ele não conseguir caminhar por essa estreita cornija, o Congresso poderia aproveitar qualquer passo em falso para desocupar a presidência.

O EMPRESARIADO É OUTRO GRANDE DESAFIO

Uma frente adicional é o setor empresarial. Embora tenha havido apoio financeiro deste setor para as campanhas de medo ao comunismo, o realismo foi imposto no domingo 27, quando um editorial do diário conservador El Comercio disse “basta” às alegações infundadas de fraude de Fujimori.

O anúncio de Castillo na véspera de ter pedido ao atual presidente do Banco Central, Julio Velarde, para permanecer no cargo parece ter sido decisivo. O presidente eleito afirmou ainda: “Não somos chavistas, não somos comunistas, não vamos ficar com as propriedades de ninguém, é falso. Somos democráticos, respeitaremos a governabilidade, a institucionalidade peruana”. O valor do dólar caiu e a Bolsa de Valores de Lima se reanimou.

Esta semana parece ter havido um divórcio entre os interesses empresariais e as ambições políticas daqueles que afirmavam representá-los. Os primeiros, mais realistas, parecem ter aceitado a vitória de Castillo e preparam-se para viver com o novo governo.

Mas, é claro, será uma aceitação condicionada. Em particular, os empresários prestarão atenção ao tratamento dos conflitos sociais por parte do governo e à procura de soluções que sejam aceitáveis para os reclamantes e, ao mesmo tempo, que não alarmem os grandes interesses econômicos. Esta será outra cornija estreita para um governo carregado de desafios.

* Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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