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O problema dos deputados desertores na Costa Rica

Ao longo das legislaturas os deputados independentes começam a pulular, o que não só enfraquece os partidos políticos mas a própria democracia

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Federico Ruiz

Mestre em ciências políticas pela Universidade de Salamanca (Espanha) e assessor parlamentar para a Assembleia Legislativa da Costa Rica.

Mais de uma quinta parte dos representantes do parlamento costarriquenho, 21%, declararam-se independentes. Essa proporção é escandalosa e reflete, principalmente, a debilidade dos partidos políticos.

A deserção maciça se deve principalmente ao fato de que na Costa Rica os partidos, especialmente os novos ou pequenos que aspiram a se posicionar na arena política, elegem candidatos sem nenhum tipo de rigorosidade, com o único objetivo de ganhar, sem importar as consequências.

Assim, por exemplo, o Partido Restauração Nacional, que surpreendeu emergindo como uma força política, passando de 1 para 14 deputados, dividiu-se em dois grupos de sete pouco depois do início da legislatura.

O Partido Integração Nacional conseguiu quatro cadeiras graças a seu candidato presidencial midiático, mas mesmo antes de assumirem seus cargos houve fraturas internas, e um de seus membros iniciou seu trabalho como deputado independente. No caminho, outros deputados deixaram a bancada pela qual chegaram ao Congresso.

Até hoje, apenas a fração do Partido Liberación Nacional se mantém unida, e o partido Frente Amplio continua fora da contagem, já que conta unicamente com um deputado.

Praticamente a totalidade de grupos parlamentares tiveram deserções de suas fileiras, criando um sério problema para a negociação política e uma maior atomização em um Parlamento já multipartidário.

Isso, sem dúvida, desencadeou mais de um alarme com propostas insensatas.

Visão geral do Congresso da Costa Rica, em San Jose
Visão geral do Congresso da Costa Rica, em San Jose; 12 dos 57 deputados do país são independentes - Ezequiel Becerra - 10.fev.2021/AFP

​Os deputados representam a nação, não os partidos

Reconhecendo o problema da deserção parlamentar, há aqueles que acreditam que essa deserção dos políticos de seus partidos pode ser combatida retirando as credenciais do deputado que renuncia à sua bancada.

Mas essa solução, além de ser inconstitucional, parte de uma visão muito equivocada da representação dos deputados.

O artigo 106 da Constituição costarriquenha proclama um dos princípios fundamentais que definem a democracia representativa e que também encarna uma das principais realizações da Revolução Francesa: o mandato representativo.

A Constituição afirma que “os deputados têm esse caráter pela nação”. Em outras palavras, os deputados representam a nação como um todo, e não seus partidos, províncias ou qualquer outro grupo de interesse que os apoie.

Portanto, não se deve confundir o que representam os deputados com a forma como são eleitos.

Os deputados se agrupam e são eleitos pelos partidos como um reflexo das diferentes visões ou posturas ideológicas da nossa sociedade. Pelo menos é assim que deveria ser. Essa representação proporcional que reflete o pluralismo político na Assembleia Legislativa é outra grande conquista.

Mas o que aconteceu na Costa Rica é que os partidos novos ou pequenos que aspiram a ser grandes escolhem candidatos sem qualquer tipo de rigor.

Em alguns casos, os partidos escolhem candidatos para preencher os campos, e em outros eles buscam figurões midiáticos para tentar aumentar seu fluxo eleitoral.

Logo, se essas pessoas coincidem ou não com os postulados do partido, é irrelevante, porque o importante para os partidos é ganhar a qualquer preço.

O problema é que após as eleições e ao longo das legislaturas as frações racham e os deputados independentes começam a pulular, o que não só enfraquece os partidos políticos mas a própria democracia.

Soluções para o transfuguismo

Se alguém quiser, existem diversas formas estruturais e institucionais para desencorajar o transfuguismo costarriquenho.

Em primeiro lugar, os chefes das bancadas parlamentares deveriam ter maior poder para alocar ou retirar recursos de seus deputados.

Quem lidera a fração legislativa deve ter a possibilidade de alocar todo tipo de recursos para seus deputados e, quando um deputado se desviar da disciplina partidária, todos os tipos de ferramentas, como pessoal de apoio, recursos materiais ou mesmo posições importantes nos comitês parlamentares, podem ser reduzidos ou limitados para o deputado.

Por exemplo, em alguns países com democracias sólidas, um deputado que é presidente ou secretário de um comitê recebe uma remuneração adicional por essa responsabilidade. Se esse parlamentar se declarar independente ou abandonar a disciplina partidária, o líder da bancada tem liberdade para removê-lo e substituí-lo, perdendo assim os recursos financeiros extras que recebe. O incentivo é para continuar dentro do partido e ser disciplinado.

Em segundo lugar, deveria haver uma carreira parlamentar.

Um deputado leal e disciplinado procura ser reeleito, e a possibilidade de reeleições sucessivas é um incentivo para permanecer no grupo parlamentar e não o abandonar.

Mas, assim como recompensar o bom deputado com a possibilidade de reeleição é um incentivo apropriado, é igualmente responsabilidade das partes não abrir a porta para os deputados defeituosos, a fim de desencorajar a prática.

Além desses mecanismos para dissuadir os congressistas, o número de deputados deveria ser aumentado, o que poderia ajudar a diluir o poder individual dos mesmos.

É importante notar que a Costa Rica, com 57 deputados, tem um dos Parlamentos com a menor quantidade de representantes da região, portanto o peso relativo de um deputado desertor representa um grande problema para um segmento considerável da população e para o andaime político como um todo.

Doze deputados independentes em 57 assentos (21%) não têm o mesmo poder que 12 independentes em 100 assentos (12%). Assim, declarar-se independente em um grande grupo, onde o poder individual é menor, é um desestímulo.

Apesar dessas soluções baseadas em incentivos para evitar o transfuguismo parlamentar, o aspecto central para reverter essas práticas é os partidos evitarem cair em soluções simplistas para atrair votos e demonstrarem responsabilidade para com os cidadãos.

Para isso, eles devem escolher candidatos com uma sólida coerência ideológica e que representem os valores de seu próprio partido, a fim de garantir um nível mínimo de lealdade.

E, finalmente, o eleitor é corresponsável por quem chega à Assembleia Legislativa. É o seu voto que determina quais partidos ganham assentos.

Eleitora vota em zona eleitoral em San Jose, capital da Costa Rica; na urna está escrito 'o voto é secreto'
Eleitora vota em zona eleitoral em San Jose, capital da Costa Rica - Juan Carlos Ulate - 6.abr.2014/Reuters

Portanto, é ele que é obrigado a identificar os partidos que apresentam os melhores candidatos, os que compartilham de sua própria visão.

Naturalmente, isso seria muito mais fácil se ele se envolvesse diretamente com os partidos e abandonasse a comodidade de meramente reclamar nas redes, mais uma das modas do momento.

Com partidos sólidos e ideologicamente coerentes, com uma cidadania muito mais responsável e eleitoralmente ativa, além de algumas mudanças estruturais, como o aumento na quantidade de deputados ou se permitindo reeleições sucessivas, provavelmente teríamos muito menos deputados independentes e um Parlamento muito mais estável.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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