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Bolívia e seus eternos conflitos sociais

Emoções populistas e a mesquinhez setorial erodem qualquer processo político que vise fortalecer o papel do Estado

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José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político e membro do Centro de Investigação Política da Faculdade de Direito da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)

No início de novembro, diversos comitês cívicos, universidades públicas ou plataformas cidadãs, entre outras organizações, iniciaram uma greve nas cidades do eixo central boliviano em rejeição a um pacote de leis que pretendia aumentar o controle policial e o centralismo político, em detrimento das autonomias.

Este conflito é o resultado das dificuldades do governo do MAS para gerar consensos em uma sociedade onde os governos regionais, as classes sociais e os coletivos indígenas (principalmente do leste boliviano) não conseguiram encontrar um terreno comum para resolver suas fraturas históricas com o Estado.

Enquanto o partido governista vê permanentemente fantasmas e se enrola na falaz teoria do golpe de Estado, grande parte da oposição reproduz um discurso político em linha com o anticomunismo macartista. Os conflitos permanentes, conectados a problemas estruturais não resolvidos, estão vinculados ao próprio Estado. E o Estado boliviano atua em função dos interesses da força política no poder.

Manifestantes protestam contra governo nas ruas de La Paz, na Bolívia
Manifestantes protestam contra governo nas ruas de La Paz, na Bolívia - Claudia Morales/Reuters

Este é um sintoma de que o Estado boliviano é mero instrumento de poder, o que gera desconfiança nos cidadãos. Um ano após a posse de Luis Arce, há uma dimensão estrutural e outra conjuntural para explicar a crise política boliviana que se intensificou no último mês.

Conflitos ao longo do tempo

O MAS tem sido a principal força política nas eleições nacionais e subnacionais de 2020 e 2021, e predomina a nível territorial. No entanto, ele perdeu sua hegemonia política a nível nacional. Como isso, o governo tem dificuldades para estabelecer uma articulação política entre o Estado e a maior parte da sociedade civil boliviana, composta por setores populares e classes médias não alinhadas ao governo para conduzir o país através de um marco de ideias que contemple toda a sociedade. Isto tem levado a conflitos sociopolíticos quando o MAS tenta impor suas posições.

A crise política que vive o país, que se expressa em uma greve multissetorial e bloqueios de ruas, foi incentivada pela tentativa do governo de estabelecer uma arquitetura normatica em nome da "Estratégia Nacional de Luta contra a Legitimidade de Ganhos Ilícitos e o Financiamento do Terrorismo." Esta medida poderia afetar diversos setores populares informais, classes médias e empresários porque qualquer movimento de dinheiro, independentemente da quantidade, pode ser considerado suspeito de ser ilegal, o que tem causado alguma incerteza.

Diante desta realidade, o MAS destacou uma única organização social, o Comitê Cívico de Santa Cruz, como a principal responsável por tentar desestabilizar politicamente o governo de Arce. Dessa maneira, o governo simplifica intencionalmente a dimensão conjuntural do conflito por conveniência ideológica e limita as possibilidades de estabelecer um espaço de deliberação e entendimento entre o governo nacional e os setores mobilizados.

Dimensão estrutural

A Bolívia tem, de modo geral, três contradições ou fraturas estruturais que até hoje o Estado não conseguiu resolver, apesar dos relatos dos governos do MAS e da Constituição Política aprovada em 2009 que solucionaria todos os conflitos históricos: o étnico-cultural, o político-espacial e o da diferença de classes sociais. Estes conflitos são responsáveis por problemas profundamente enraizados na sociedade boliviana, como o racismo, o centralismo político, o regionalismo e a exclusão social, entre outros.

De acordo com o Latinobarómetro 2010, um ano depois da aprovação da Constituição Política do Estado Plurinacional (2009), a confiança nos partidos políticos atingiu 17%. Uma década depois, segundo o mesmo índice, o apoio diminuiu em um ponto. A grande desconfiança em relação aos partidos políticos na Bolívia, entretanto, não afetou a participação cidadã, que nas eleições gerais de 2020 foi de quase nove em cada dez eleitores, com um apoio eleitoral para o MAS de 55%.

A título de conjectura, esta contradição se deve ao fato de que os eleitores apoiaram o partido vencedor em busca de certeza política e na esperança de superar a crise econômica após um ano pandêmico e uma administração transitória atormentada por políticas mal orientadas, corrupção e turbulências políticas. No entanto, as discórdias entre representantes e representados manifestada na desconfiança dos partidos políticos não deixa de ser preocupante.

Bolívia é um país difícil de entender. Os interesses corporativos dos partidos estão acima de uma visão do Estado e do interesse público. As emoções populistas e a mesquinhez setorial são moedas correntes, o que erode qualquer processo político que tenha como objetivo fortalecer o papel do Estado. Isto tem sido evidenciado com os conflitos nas ruas bolivianas durante todo o mês de novembro.

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