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Todo o governo ao empresariado?

Possibilidade de que a atuação empresarial seja vista como oportunista pode gerar expressões radicalizadas

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Fabián Echegaray

Cientista político e diretor da Análise de Mercado, consultoria de opinião pública sediada no Brasil

Seja por legado da filosofia grega clássica ou por influência do pensamento católico agostiniano que separava a esfera privada comercial (orientada pelo lucro) das decisões coletivas para o bem comum, muitos de nós nos acostumamos a dissociar o poder político e as definições públicas das influências do mercado.

Essa separação poderia ter sentido na época dos grandes impérios, da construção do Estado nacional e dos processos de independência contestadores do colonialismo próprios do século 20, quando as autoridades contavam com recursos, capacidades e legitimidade para surgir como a fonte quase exclusiva do bem-estar nacional.

Mas hoje em dia, quando corporações como Apple, Microsoft ou Amazon têm, cada uma, um valor de mercado superior ao PIB brasileiro, russo, canadense ou espanhol –todos, países do seleto e rico G20–, é difícil defender essa divisão, assim como isentar a vanguarda empresarial de um papel mais determinante do que a produção de bens.

A palavra Microsoft aparece escrita, em letras brancas, ao lado da logomarca da companhia, na frente da sede da empresa em Issy-les-Moulineaux, na França
Sede da Microsoft, em Issy-les-Moulineaux, na França - Charles Platiau - 18.abr.2016/Reuters

A crescente atribuição de capacidades e responsabilidades às grandes empresas pelo destino das sociedades em que atuam e suas derivações ambientais, climáticas, éticas e sociais é parte de um processo de reconhecimento paulatino do poder e competência das corporações.

Essas potencialidades não refletem apenas uma situação de paridade ou mesmo superioridade com instituições políticas convencionais para gerar e distribuir impactos onde operam.

Também retratam a percepção de incapacidade ou desinteresse do poder público tradicional (governo, instituições do Estado, partidos ou Parlamento) para administrar problemas para os quais os agentes do mercado (similar aos outros, como a sociedade civil organizada) se projetam como muito mais capacitados para dar respostas satisfatórias.

Isso explica a crescente expectativa dos cidadãos por um comportamento empresarial social e ambientalmente responsável.

Um estudo da consultoria Market Analysis, junto com a rede mundial de pesquisadores independentes WIN, que entrevistou 33.230 pessoas em 39 países, revela que sete em cada dez adultos do mundo consideram extremamente ou muito importante estar conscientes e informados sobre as ações de governança socioambiental que as grandes empresas executam.

Nos principais países da América Latina, como Brasil, México e Argentina, essa proporção chega a 80% ou mais. Embora em menor grau, chilenos e colombianos também superam a média global em hierarquizar o conhecimento sobre a atuação corporativa em matéria de sustentabilidade.

Mas a importância da conscientização vai além de especulações em abstrato: pouco mais de seis em cada dez adultos em todo o mundo admitem que o comportamento socioambiental corporativo molda suas preferências de compra ou adesão à marca.

Votar com o livro de bolso elegendo os ofertantes de produtos e serviços (empresas) com melhores credenciais éticas e sustentáveis é conhecido como "consumo político" e poderia ser uma força transformadora capaz de estender a ação cidadã além das esferas formais das urnas, da militância partidária ou do protesto de rua.

Isso ocorreria porque o poder e a capacidade de influência social e ambiental das corporações exige influenciá-las onde de fato é possível moldar seu comportamento: sua saúde financeira, sua participação de mercado, sua reputação entre os consumidores e outros "stakeholders".

O favorecimento de empresas com governança cidadã que respeitam o ambiente em vez de envenená-lo, ou que ampliam os direitos de seus funcionários e compartilham benefícios econômicos entre fornecedores, sobre os que ignoram as boas práticas socioambientais, contribui para construir uma sociedade mais humana, aberta e inclusiva.

Por que, então, essa nova forma de ativismo e construção de uma agenda progressista não se materializa ao impulsionar uma nova ordem social que estenda a boa governança de forma mais massiva?

O estudo Market Analysis/WIN também revela as suspeitas que rodeiam os agentes com poder, político e empresarial, na região, estimulando a paralisia onde poderia haver oportunidades de mobilização progressista.

Nos 39 países pesquisados, apenas uma em cada cinco pessoas acredita que a maioria das empresas opera seriamente com responsabilidade social e sustentabilidade. Outros 40% acreditam que, em sua maioria, as empresas buscam demonstrar uma governança; em resumo, puro marketing.

Na América Latina, excluindo o Brasil –que, além de ter uma estrutura empresarial mais complexa tem uma tradição de debates fortes e visíveis dedicados à propagação e reconhecimento da chamada cidadania corporativa e dos princípios ESG (de governança socioambiental)–, apenas 10% confiam nos compromissos sustentáveis do mundo empresarial (metade da média global).

Manifestante com uma flor na boca em ato do Greenpeace em defesa do ambiente, em Besancon (França)
Manifestante com uma flor em ato do Greenpeace em defesa do ambiente, em Besancon (França), durante congresso que reuniu representantes do agronegócio - Sebastien Bozon - 20.mar.2022/AFP

O cenário atual, que combina fortes expectativas de compromisso corporativo com o bem comum por parte dos cidadãos, somado à sua disposição para premiar ou castigar empresas em razão de seu desempenho socioambiental e baixa credibilidade no comportamento altruísta e pró-social, representa um verdadeiro desafio.

Por um lado, essa combinação redefine e consolida quem são os novos jogadores de peso frente aos desafios que nossos países enfrentam, materializando uma mudança nas expectativas de que os problemas importantes serão dirigidos para as empresas no lugar de concentrar toda a fé nas instituições tradicionais da política e do Estado.

Por outro lado, essa situação gera um fluxo de pressão e demanda, cuja canalização se frustra diante da incredulidade sobre as verdadeiras intenções corporativas.

A possibilidade de que a atuação empresarial seja vista como oportunista em vez de genuína, bem como as frustrações com o sistema político formal, pode abrir a porta para expressões radicalizadas ou antissistêmicas.

A descrença na possibilidade de concretizar avanços progressistas também pelas vias do mercado diante de Estados falidos ou governos paralisados como os que caracterizam nossa região, junto com os comportamentos corporativos que alimentam ou justificam essa percepção, poderia frustrar a proposta de um modelo duradouro de desenvolvimento responsável.

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