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Migração, voto e participação política longe de casa

Participação de pessoas migrantes na política vai muito além do voto no exterior.

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Denise Cogo

Professora de pós-graduação da ESPM e coordenadora de grupo de pesquisa em interculturalidade, cidadania, comunicação e consumo

"Não resido no Brasil, mas continuo sendo uma cidadã brasileira"; "o voto é obrigatório, mas também é um direito" foram algumas das reações dos brasileiros e brasileiras que, quando interpelados nas redes, defendiam o direito à participação eleitoral, mesmo residindo fora do Brasil.

Hoje existem 696 mil brasileiros inscritos para votar fora do país, o que representa o 0,45% do eleitorado do Brasil, composto por 156,5 milhões de pessoas. Nas eleições do segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi eleito presidente pelos brasileiros que votam no exterior: Lula recebeu 51,28% (152.905 votos) dos votos válidos, contra 48,72% (145.264 votos) do candidato Jair Bolsonaro (PL).

A participação política das pessoas migrantes vai muito além do voto no exterior. Migrar por falta de oportunidades ou em decorrência de crises econômicas e políticas nos países de origem poderia sugerir o desinteresse, por parte dos migrantes, pela participação nos rumos políticos desses países.

 Fila para eleitores brasileiros que foram votar em Paris
Fila para eleitores brasileiros que foram votar em Paris no 2º turno das eleições para presidente do Brasil - Paloma Passos

No entanto, conforme as reflexões sobre diáspora e transnacionalismo de autores como Guarnizo, Portes e Tarrow, muitos migrantes mantém sua participação política nos países de origem a partir de ações que podem abranger desde a remessa de dinheiro, visitas regulares para investimento em empresas, obras filantrópicas e organizações de eventos culturais, até a intervenção direta nos processos políticos e eleitorais nesses países.

Essa participação não exclui ainda os nacionalistas imigrantes que buscam mobilizar discursos das diásporas para desestabilizar ou derrubar governos nos países de origem, como no caso dos croatas, no Canadá; dos irlandeses, em Boston; e dos curdos, na Alemanha.

Durante a vigência da ditadura no Brasil, nos anos 1970, as redes de solidariedade transnacional que se formaram em torno de brasileiros exilados da ditadura contribuíram para a transnacionalização do combate ao governo militar no exterior e no Brasil. Através da produção de meios de comunicação impressos, os exilados difundiram denúncias sobre a ditadura visando sensibilizar a opinião pública no Brasil, conseguir apoio para a sua luta política e prejudicar a imagem do regime militar brasileiro no exterior.

Os exilados brasileiros contribuíram, com denúncias, informações e com a organização da ação política. Atuaram no anonimato para não infringirem a legislação internacional sobre refúgio que determinava que ações ou declarações que pudessem afetar o governo e a segurança do país de origem deviam ser evitadas, sob a pena de perda da condição de refugiado ou expulsão do país de acolhida. Além disso, as ações políticas dos exilados políticos brasileiros foram importantes para a inserção de temas como o feminismo, a democracia, e principalmente a anistia, na agenda dos militantes de esquerda brasileiros.

A partir dos anos 1990, os processos de digitalização da comunicação e a popularização da internet reordenaram a ação política dos movimentos de resistência global e de coletivos sociais e culturais, incluindo os coletivos migratórios. O uso das tecnologias digitais permitiu aos migrantes ampliarem e intensificarem as interconexões, assim como a articulação das ações políticas entre os países de origem e destino.

Neste sentido, em pesquisa realizada por mim sobre o ativismo de imigrantes brasileiros contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff na cidade de Barcelona, foi possível observar que a ação política dos imigrantes seguiu pautas similares as do Brasil, especialmente no que se refere ao esforço de consolidar e ao mesmo tempo traduzir para os contextos espanhol e europeu a concepção do impeachment como golpe político, jurídico e midiático, e especialmente dar visibilidade a essa narrativa junto às mídias e em outros espaços sociais e institucionais espanhóis e europeus.

Nos países de destino, os migrantes têm se mobilizado, ainda, em defesa do exercício de seus direitos políticos nos países de origem, como o do direito ao voto. O coletivo Marea Granate, criado a partir do crescimento da diáspora espanhola provocada pela crise econômico-política de 2008, se consolidou como um movimento transnacional e apartidário formado por migrantes espanhóis que residem em diferentes países. O coletivo liderou, especialmente via ativismo digital, mobilizações políticas, como aquelas relacionadas às campanhas #VotoRogado e #RescataMiVoto, que culminaram, em 2021, com a derrogação do chamado "voto rogado" no marco da nova legislação eleitoral aprovada pelo Congresso espanhol.

Na cidade de São Paulo, o ativismo de imigrantes bolivianos promoveu ações políticas através da ocupação da rua e dos espaços digitais para denunciar o golpe na Bolívia que, em 2019, destituiu o ex-presidente Evo Morales e instaurou o governo ilegítimo de Jeanine Áñez. Através de um conjunto de mobilizações, os imigrantes bolivianos reivindicaram novas eleições na Bolívia, assim como a preservação do direito ao voto no exterior, ameaçado pelo governo de Áñez.

A participação política dos migrantes pode se estender, ainda, à sua inserção em espaços políticos institucionais através de candidaturas a cargos parlamentares nos países de destino onde também atuam para incluir no debate público e dar visibilidade a pautas de interesse dos países de origem. A ativista brasileira Maria Dantas, eleita em 2019 para o parlamento espanhol pelo partido Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), foi uma das políticas mais atuantes, junto ao parlamento espanhol e europeu, na denúncia e resistência contra o governo Bolsonaro.

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