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Política ambiental e soberania no Brasil

Brasil vem adotando política que diminui seu poder no cenário internacional e deixa país em posição desfavorável entre nações

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Rubens de Siqueira Duarte

Professor de Relações Internacionais e coordenador do Labmundo. Doutor em Política e Estudos Internacionais pela Universidade de Birmingham (Inglaterra)

No século 21, o meio ambiente e as mudanças climáticas se tornaram prioridades na agenda global, mas à medida que cresce o interesse pela crise ecológica, aumentam também as preocupações sobre a alienação da soberania nacional em áreas como a Amazônia e a consolidação de um direito de ingerência ecológica em aqueles países que não conseguirem proteger bens ambientais de importância internacional. Por esses motivos, deve-se perguntar: como a política ambiental vem colocando em risco a soberania do Brasil?

Hans Morgenthau é um dos principais teóricos das Relações Internacionais. De família judia, emigrou da Alemanha nazista para os Estados Unidos, onde atuou como acadêmico e pensador orgânico, contribuindo para a definição dos rumos da política externa estadunidense e para o estabelecimento da corrente de pensamento que veio a ser conhecida como Realismo Clássico. Quando Morgenthau escreveu suas principais obras, os debates sobre mudanças climáticas não tinham o peso que têm hoje na política mundial. Todavia, se usarmos seus ensinamentos para pensar a atualidade, a conclusão é clara: a política ambiental brasileira pode colocar a soberania nacional em risco.

O conceito de poder nacional é um dos pilares do legado de Morgenthau. Para o autor, poder não se limita à capacidade bélica, mas inclui uma série de elementos materiais e ideacionais que permitem que o Estado continue funcionando e se desenvolvendo de modo autônomo e com segurança. Portanto, além da força militar, são fontes de poder a geografia, posse de recursos naturais, potencial agrícola e industrial, bem como a população. Entra no cálculo, também, a percepção que os outros atores internacionais têm em relação ao seu poder, o que leva Morgenthau a concluir que uma política de prestígio pode impulsionar a inserção de um país no jogo internacional entre as nações.

Projeção feita por ativistas da US Network for Democracy in Brazil (Rede Norte-Americana pela Democracia no Brasil) no prédio da ONU, em NY, mostra o rosto do presidente Jair Bolsonaro com as palavras 'vergonha brasileira'
Projeção de imagem de Jair Bolsonaro, chamado de 'vergonha brasileira', em fachada do prédio da ONU em Nova York - Manuela Lourenço/Divulgação

Com base nesses ensinamentos, podemos argumentar que o Brasil vem adotando uma política que diminui o seu poder no cenário internacional, o que deixa o país em posição desfavorável no jogo político entre as nações e, portanto, diminui a capacidade de dissuadir ameaças externas. Se recursos naturais são elementos de poder, uma política ambiental frouxa coloca em risco a reserva brasileira de água potável, um recurso essencial para todos os seres vivos e que está em progressiva escassez no mundo.

Além disso, água é essencial para produção de gêneros alimentícios, que é uma fonte de poder elencada por Morgenthau, pois um Estado que não consegue garantir a alimentação e sobrevivência de sua população é mais vulnerável a agressões externas. Por último, as mudanças climáticas colocam em risco a riqueza biológica do Brasil, que é um recurso potencial cada vez mais relevante com a revolução genética.

Se olharmos pela ótica do prestígio internacional como fonte de poder, a política brasileira também está deteriorando a soberania brasileira. Um país organizado, com instituições fortes e políticas públicas que dão resultados acarreta a imagem de um Estado forte, facilitando a dissuasão de interesses obscuros que possam ferir a soberania e os interesses nacionais. Com o aumento do desmatamento ilegal, do garimpo predatório, assassinato de ativistas ambientais, ação das madeireiras, bem como avanço de grupos criminosos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) na região Amazônica, a imagem que o Brasil passa para o mundo é de um país incapaz de implementar o Estado de Direito e políticas públicas eficazes. Com isso, a percepção que outros atores internacionais vão ter ao olhar para o país é de fragilidade.

Atualmente, as regras e normas internacionais para as mudanças climáticas são favoráveis para o Brasil e outros países do Sul. A consolidação do princípio de uma leitura histórica, que atribui maior responsabilidade pelas mudanças climáticas aos países mais industrializados; o afastamento (ainda que temporário) da discussão sobre internacionalização das florestas; e o direito ao desenvolvimento sustentável são exemplos disso. A diplomacia brasileira, junto com outros países, foi muito hábil em defender os interesses nacionais nas negociações em foros internacionais.

Quando o Brasil abandona essa postura negociadora e adota outra que é mais avessa a qualquer tipo de concessão, no longo prazo, diminui sua capacidade de atuação. O país perde oportunidades de opinar e de influenciar as discussões. Decisões serão tomadas com ou sem a participação do Brasil, gerando normas potencialmente contrárias aos interesses nacionais, que, inevitavelmente, vão restringir a soberania do país.

A combinação distópica de uma postura diplomática que isola o Brasil das negociações internacionais com uma política ambiental insuficiente para combater de modo efetivo os desafios de proteger os biomas do país e suas populações é um grave risco para a soberania do Brasil. A tradição brasileira sempre reforça a importância de princípios consagrados nas relações internacionais, bem como a valorização do direito internacional e do multilateralismo. É uma postura que historicamente rendeu frutos para o país, uma vez que não detém excedentes de poder, em comparação com potências mundiais.

Morgenthau reconhece que o direito e a moral internacionais são fatores que limitam abusos dos Estados ao usarem a força no cenário internacional para atingirem seus objetivos. Todavia, o autor também ressalta que esses limitadores são próprios de seu tempo e, portanto, podem variar. Ao longo do século 20, houve o surgimento e consolidação do entendimento de que a comunidade internacional tem a responsabilidade de proteger indivíduos e populações que estejam em risco, caso seus Estados falhem em cumprir seus deveres.

Esse entendimento é uma resposta a graves desrespeitos aos direitos humanos que foram observados, sendo que o genocídio em Ruanda pode ser considerado o caso mais simbólico. Quanto tempo até decidirem que Estados que não combatem crimes ambientais em seus territórios também ensejam resposta da comunidade internacional?

A COP27 é um sinal de que o Brasil deve mudar sua postura nas negociações internacionais. Todavia, uma correção de rumos no âmbito diplomático é insuficiente, se não for acompanhada de resultados concretos no âmbito doméstico. Enquanto atores brasileiros não tiverem essa consciência no âmbito interno, a política ambiental pode continuar sendo um risco para a própria soberania. Ou seja, é dever de todo patriota cuidar do meio ambiente, para proteger seu país.

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