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Uruguai e o contexto regional: um exemplo a seguir

No topo do ranking democrático latino-americano, país é exceção na região

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Fabián Bosoer

Cientista político, jornalista, editor-chefe da seção de opinião do diário argentino Clarín, professor da Universidad Nacional de Tres de Febrero e da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).

A democracia uruguaia é estranha e surpreendente. Uma democracia em que os presidentes iniciam e terminam o seu mandato em tempo e forma, não podem (e não buscam) ser reeleitos sem mediar outro período, entregam os atributos do mandato ao seu sucessor de outro partido e seguem compartilhando com toda naturalidade cerimônias e eventos públicos em seu país e no exterior, onde inclusive assistem juntos à tomada de posse de outros presidentes.

Os ex-presidentes do Uruguai Julio Maria Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) e José Pepe Mujica (2010-2015) com o atual presidente, Luis Lacalle (à dir.), na posse de Lula - Sérgio Lima - 1°.jan.2023/AFP

Que isso cause estranhamento fala muito bem dos uruguaios e não tão bem de nós, um "nós" que se difunde nas democracias da região, onde a estima e a confiança nos (e entre os) políticos está no fundo do poço, em tecidos sociais e políticos fortemente dilacerados pela polarização e descontentamento.

A tomada de posse de Luiz Inácio Lula da Silva contou com a presença de 13 presidentes e chefes de governo de todo o mundo. Mas o Uruguai foi uma presença notável: esteve representado pelo presidente ,Luis Lacalle Pou, que foi acompanhado pelos ex-presidentes Julio María Sanguinetti e José Pepe Mujica.

A imagem de Lula rodeado pelos três foi eloquente. Uma foto que mostrasse, por exemplo, o atual presidente argentino, Alberto Fernández, e seu antecessor, Mauricio Macri, na posse de Lula é algo inimaginável. Isso sem mencionar os outros vizinhos (Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela), onde governantes e opositores se consideram mutuamente como amargos inimigos.

E não é como se para os demais governos não fosse transcendental o regresso de Lula ao governo pela terceira vez. De fato, o novo presidente brasileiro irá a Buenos Aires na sua primeira viagem ao exterior, para participar na Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), nos dias 23 e 24 de janeiro, e prevê-se que sejam assinados acordos importantes para revitalizar o debilitado Mercosul e os vínculos bilaterais, que foram reduzidos ao mínimo durante a gestão de Bolsonaro.

Mas, para o Uruguai, os assuntos que marcam a política externa não têm nada a ver com afinidades político-partidárias ou orientações ideológicas dos governos: ao representar o país num grande acontecimento internacional, as vozes dos seus líderes são expressas conjuntamente. Esse gesto, longe de ser uma imagem meramente protocolar ou formal, adquire um grande caráter simbólico e uma demonstração eloquente de continuidade institucional e republicana, o que reforça o seu significado regional após os acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília, porque toda liderança política, com algum grau de responsabilidade, de todos os países latino-americanos, deveria ficar em alerta diante da tentativa de golpe de Estado no Brasil. Os sinos estão tocando para todos nós.

O Uruguai parece ser uma exceção no panorama global e regional: está no topo dos rankings de democracia na América Latina e no mundo. No índice anual de 2022 publicado pela "The Economist", ocupa a décima terceira posição em escala global e é a nação líder em democracia na América Latina. O informe analisa a situação de 167 países e avalia várias características dos países, como o processo eleitoral e o pluralismo, o funcionamento do governo, a participação política, a cultura política e democrática e as liberdades civis.

De 2021 para 2022, o Uruguai aumentou a sua pontuação de 8,61 para 8,85 (o índice varia de 0 a 10; Noruega é a primeira da lista, com 9,75 pontos; o Brasil está em 47°, com 6,86) e ficou em primeiro lugar no ranking da América Latina, à frente da Costa Rica e do Chile. Com essa avaliação, o país é qualificado como uma "democracia plena", uma situação que apenas 6,4% da população mundial vive, de acordo com o índice.

Bandeiras do Uruguai e da Frente Ampla ao lado de cartaz de José Pepe Mujica, em Montevidéu, em 2014 - Sylvia Colombo - 17.nov.2014/Folhapress

O relatório coincide com outras estimativas, que têm apontado para o retrocesso da democracia, uma vez que em 2020 a pontuação geral era de 5,37 e em 2021 caiu para 5,28. Na América Latina, o declínio foi ainda mais acentuado, com uma queda de 0,26 pontos (na América do Norte a queda foi de 0,22; na Ásia e Austrália foi de 0,16).

Neste panorama, destaca-se um pequeno país, que mostra sua fortaleza face a um país maior e é exemplo para uma região afetada pela vacância das lideranças e estadistas e na qual a convivência entre grupos opositores se rompeu ou deixou de ser um valor. Ao mesmo tempo, aponta para a importância dos acordos fundamentais para mover um país (e uma região) em uma ou outra direção, para além da orientação dos seus governos.

Em outros termos, a questão de como vamos abordar a viagem é tão importante como saber para onde pretendemos viajar como país. E o Uruguai oferece uma vantagem comparativa neste tema e merece ser vista como exemplo a ser seguido, não como exceção à regra.

A versão original deste texto foi publicada originalmente no Clarín, da Argentina

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