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Brasil ignora seus emigrantes enquanto vê recorde nas remessas

Brasileiros no exterior enviaram R$ 4,7 bilhões no ano passado

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Camila Escudero

Jornalista, doutora em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com período de pesquisa no Latin American and Latin Studies Program da Universidade de Illinois em Chicago (UIC). Especialista em estudos migratórios

Otávio Ávila

Doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é pesquisador assistente no projeto da plataforma de dados Brasileiros no Exterior

Pelo quinto ano consecutivo o Brasil bateu recorde de remessas financeiras vindas do exterior provenientes de transferências pessoais. A cifra de R$ 4,7 bilhões calculada pelo Banco Central (BC) em 2022 representou um aumento de 22,5% sobre o ano anterior (R$ 3,8 bilhões), que já havia estabelecido um novo patamar para a série histórica, iniciada em 1995. No ano passado, as quantias mais elevadas vieram dos Estados Unidos (R$ 2,23 bilhões), do Reino Unido (R$ 462 milhões) e de Portugal (R$ 375 milhões).

O Banco Central também calculou a quantia de remessas pessoais de fluxo inverso a essas receitas. Em 2022, foram destinados R$ 2,1 bilhões do Brasil para o exterior, especialmente para os Estados Unidos (R$ 435 milhões), para Portugal (R$ 375 milhões) e para o Canadá (R$ 136 milhões). Em ambos os cenários, Estados Unidos e Portugal aparecem entre os três primeiros países do ranking em movimentação financeira com o Brasil, sendo que este último registrou "saldo zero" (exatamente o mesmo valor) nas trocas estabelecidas entre as residentes dos territórios brasileiro e português.

Se pararmos para pensar, vemos que, especialmente no caso das remessas pessoais de países estrangeiros para o Brasil, o valor recorde de R$ 4,7 bilhões em 2022 equivale a 0,47% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado no país, no mesmo ano (de R$ 9,9 trilhões). É uma crescente que envolve, inclusive, dados da América Latina e Caribe. Relatório do centro de análises Diálogo Interamericano aponta alta de 26% em 2021 se comparado ao ano anterior no valor das remessas pessoais de estrangeiros enviadas ao continente, que ultrapassou US$ 134,4 bilhões. O número representa 5% do PIB de toda a região e mais de 20% do de muitos países menores, de acordo com o estudo.

De volta ao Brasil, vale lembrar, conforme amplamente divulgado pela imprensa há pouco tempo, que a quantidade estimada de brasileiros que vivem em outros países subiu de 4,2 milhões em 2020, para 4,4 milhões em 2021, alta registrada mesmo no período pandêmico, responsável pelo fechamento das fronteiras internacionais. Em comparação com os estados brasileiros, significa dizer que o número equivale à população do Espírito Santo (4,1 milhões) ou Paraíba (4 milhões), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já com base nos dados da prévia do Censo 2020.

Evidentemente há inúmeros aspectos relacionados aos números descritos acima, o que torna o cenário bastante complexo. Há, desde a desaceleração econômica nos últimos tempos e instabilidades políticas no Brasil até fatores de ordem transnacional, como políticas migratórias internacionais cada vez mais rígidas ou laços históricos e culturais, sempre muito relevantes quando o assunto é a ida de brasileiros não só para Portugal, como se imagina inicialmente, mas para Estados Unidos e Japão, países que já contabilizam novas gerações de brasileiros composta por filhos e/ou netos dos primeiros emigrantes. Isso sem falar na própria pandemia de Covid-19, que alterou toda ordem de fluxos humanos e financeiros do planeta.

No entanto, o que mais chama a atenção é o descaso do Estado brasileiro sobre isso. Em termos de valores ou dados demográficos, poderíamos estar tratando aqui de um estado virtual, o 28º, para além das 26 unidades da federação, mais o Distrito Federal. Organizado a partir de políticas públicas que não só reconheçam a importância dessas pessoas, mas considere a potencialidade de impacto dessa diáspora no desenvolvimento sustentável do Brasil. Não só as remessas financeiras que os brasileiros enviam do exterior para o sustento de familiares ou investimentos aqui no Brasil, que são importantes, mas há aspectos de educação, trabalho, inovação tecnológica, além de transformação social, interculturalidades e imagem do Brasil no exterior que precisam ser encarados com atenção, profissionalismo e ação.

A Lei de Migração de 2017 (nº 13.445) –que, de modo inédito, traz princípios e diretrizes a serem observados pelo Estado brasileiro para com seus nacionais residentes em outros países– e o recente retorno do Brasil ao Pacto Global da ONU para Migrações –que trabalha por processos de deslocamento seguros, ordenados e regulares– não deixam de representar avanços. Mas são insuficientes. Para termos ideia, nem mesmo o cálculo da quantidade de brasileiros presentes em outros países é preciso –desde sempre se trabalha com estimativas do Ministério das Relações Exteriores, com base no atendimento da engessada estrutura consular.

Investir na formulação, implementação, desenvolvimento e manutenção de políticas públicas de caráter transnacional que sejam de Estado (e não de governo) e que considerem as interações socio-estatais –é reconhecido o trabalho de organizações da sociedade civil voltadas para brasileiros no exterior altamente capacitadas do ponto de vista técnico-jurídico, assistencial e cultural– parece ser o único caminho não só para a inclusão dessas pessoas no Brasil e combate a problemáas como tráfico humano, deportação de pessoas em situação irregular, fuga de cérebros, entre outras. Mas, para a garantia do direito humano de migrar e da compreensão de que processos migratórios não são anomalias sociais ou rupturas; pelo contrário, podem significar transformação social e renovação.

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