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Equador e o boom migratório 2.0

Pandemia, polícia e vistos não pararam os migrantes de um país que tem um século de ausências

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Equatorianas detidas nos Estados Unidos ao tentar passar a fronteira do país com o México - Paul Ratje/Reuters
Jacques Ramírez

Doutor em antropologia social pela Universidade Ibero-americana, no México. Professor na Universidade de Cuenca, no Equador. Pesquisador do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica e membro do conselho editorial da revista Comparative Migration Studies.

Os últimos anos têm sido inesperados na história contemporânea do Equador, dada a soma de eventos catastróficos que mudaram radicalmente a "paisagem migratória" do país. Em 16 de abril de 2016, o Equador sofreu um terremoto de magnitude 7,8 que deixou 674 mortos e mais de 300 mil afetados. Muitas pessoas atingidas pelo terremoto fugiram de suas casas e se mudaram para outras cidades, como Durán e Guayaquil, e cerca de 57 mil deixaram o país.

Em 2017, a década de governo da chamada Revolução Cidadã chegou ao fim, e o "giro à direita" ocorreu após a vitória de Lenín Moreno. A recomposição neoliberal, liderada pelo ex-presidente Moreno e sua aliança governamental com as antigas elites oligárquicas, as associações empresariais, os oligopólios da mídia e os partidos de direita, levou a uma deterioração das condições de vida de uma grande parte da população equatoriana, fazendo com que muitos voltassem a ver a migração como uma opção para melhorar sua situação.

De fato, entre 2017 e 2019, quase 100 mil pessoas migraram e nessas datas um total de 1.183.685 migrantes equatorianos foram registrados no exterior, cerca de 7 de cada 100 equatorianos. No entanto, o pior ainda estava por vir.

O que no início de 2020 foi visto como uma notícia distante de algo "estranho" que surgiu num mercado atacadista de frutos do mar na província de Wuhan na China, quatro meses depois se transformaria no pior pesadelo: a Covid-19. O início da pandemia, em meio a um sistema de saúde pública enfraquecido, foi letal. Como parte das medidas de ajuste, o investimento em saúde foi reduzido de US$ 306 milhões em 2017 para praticamente um terço em 2019.

O diagnóstico do mau governo de Moreno fechou com repetidas mudanças de ministros, uma teia de corrupção em torno da gestão da pandemia e o início das "vacinas VIP" dentro de seu gabinete. No final de dezembro de 2021, o Equador registrou cerca de 70 mil mortes em excesso, de acordo com dados do Registro Civil.

A pandemia causou o fechamento de muitas fronteiras no mundo inteiro em 2020, deixando muitos migrantes, viajantes e turistas presos, causando uma diminuição no saldo migratório, que foi negativo naquele ano. Entretanto, no nível econômico, o resultado das políticas de ajuste neoliberal, assim como o efeito da pandemia, foi uma redução de 7,8% do PIB.

Com a reabertura das fronteiras, milhares de equatorianos mais uma vez viram a emigração como uma solução para a crise. Em 2021, o saldo migratório era de pouco mais de 81 mil equatorianos. Não foram apenas as migrações que aumentaram, mas também as remessas que se tornaram o sustento de muitas famílias para suportar a crise. Se em 2020 já houve um aumento, em 2021 as remessas dispararam, batendo em ambos os anos um recorde de remessas e ultrapassando pela primeira vez a barreira dos quatro bilhões de dólares.

Em 2022, as "pragas" ainda não tinham acabado no país andino. Um novo problema foi acrescentado ao quadro descrito acima: o aumento da violência e das mortes, primeiro dentro das prisões e depois nas ruas do país, o que levou a um aumento dos homicídios, assassinatos por aluguel e feminicídios. De acordo com dados da Polícia Nacional, 4.539 mortes violentas e 332 feminicídios foram registrados até o final de dezembro de 2022. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes subiu para 25,5, a mais alta da história.

A soma dos eventos negativos: o retorno das políticas neoliberais, o aumento da pobreza, o desemprego, a má gestão da pandemia, o aumento da insegurança e da violência, causaram um novo boom migratório. Em 2022, aproximadamente 108 mil equatorianos deixaram o país, principalmente para os EUA, e não retornaram. Segundo fontes norte-americanas, o número de "encontros" entre equatorianos e a Border Patrol aumentou consideravelmente, chegando a mais de 90 mil em 2021, sendo o Equador o país que mais cresceu (1.971%). Isto levou o México e a Guatemala a impor vistos de entrada aos equatorianos como parte das políticas de externalização do controle e das fronteiras dos EUA.

Entretanto, esta medida não levou a uma diminuição dos fluxos, mas sim a uma busca de novas rotas, uma delas através do chamado Tampão do Darien na fronteira entre a Colômbia e o Panamá, conhecido por seu perigo. Se até 2021 poucos equatorianos utilizavam esta rota, no ano seguinte havia 29.356, tornando-os o segundo maior grupo a utilizar esta rota, atrás apenas dos venezuelanos. Não é apenas o volume que surpreende, mas também o perfil dos migrantes que utilizam esta rota, uma vez que encontramos pessoas de camadas sociais mais baixas, que não têm mais recursos ou redes para fazer a viagem com a ajuda de financiadores e coiteiros.

Nos últimos dois anos, o saldo migratório atingiu 190 mil pessoas. Para colocar o número em perspectiva, este é superior ao saldo migratório dos 12 anos anteriores (2009-2020). A principal diferença em relação à debandada anterior, que começou no final dos anos 90, é que os equatorianos migraram mais para a Europa, por via aérea e sem a necessidade de visto (até 2003). Agora muitos migram principalmente para os Estados Unidos, por terra, atravessando toda a América Central e México.

Esta breve análise mostra que nem a imposição de vistos nem a polícia migratória nem o vírus param os migrantes de um país, como o Equador, que tem um século de ausências.

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