Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Laura Carvalho

Enterro da reforma da Previdência desnuda falta de agenda econômica

Se depender das prioridades do governo, país não sairá tão cedo do fundo do poço

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente Michel Temer e Ilan Goldfajn, do BC
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente Michel Temer e Ilan Goldfajn, do BC - Pedro Ladeira - 10.jan.18/Folhapress

Na tentativa de continuar mostrando serviço na área econômica após o enterro da reforma da Previdência, o governo apresentou no dia 19 de fevereiro um pacote de 15 medidas, das quais 11 já estavam em tramitação no Congresso.

Há ali de tudo um pouco: pautas ideológicas históricas sem nenhum benefício para a economia real (e.g. autonomia do Banco Central), medidas para aliviar a situação do Orçamento que datam do segundo governo Dilma Rousseff, mas sem muitas chances de aprovação (e.g. redução da desoneração da folha de pagamentos), e ações de caráter imediatista com efeitos prejudiciais no longo prazo (e.g. privatização da Eletrobras).

O que está claro é que nessa colagem não há nada com peso suficiente para ser vendido pela equipe econômica como uma nova panaceia para os problemas do país. O vazio deixado pela não aprovação da reforma da Previdência após mais de um ano de dedicação quase exclusiva a essa pauta serviu para acender a luz da sala e deixar visível aquilo que alguns de nós cismávamos em enfatizar: a falta de agenda econômica do governo.

Os leitores menos céticos poderão discordar e reproduzir, por exemplo, a propaganda oficial publicada na quinta-feira passada (22) no jornal O Globo: “O governo, que está tirando o país da maior recessão de sua história, agora vai tirar o Rio de Janeiro das mãos da violência”, diriam.

A realidade é outra. O país chegou ao fundo do poço apesar da falta de agenda econômica do governo, mas, se depender das prioridades de sua equipe, não sairá dali tão cedo. E, como bem destacou Janio de Freitas em sua coluna de domingo passado (25), a criminalidade no Rio de Janeiro explica-se em grande parte pela crise e pelo desemprego elevado que ainda assolam o país e o estado.

É verdade que o foco nunca foi recuperar a economia e gerar empregos, dirão outros leitores. Seria preciso primeiro organizar a bagunça, o que exigiria sacrifícios. E o governo, afinal, teria aprovado um teto para os gastos públicos e acabado com a inflação.

Será? A inflação entrou em queda livre em janeiro de 2016, antes do impeachment. Entre os salários estagnados pela crise, o fim do efeito do reajuste de preços administrados, o dólar mais baixo —pela reversão nos fluxos financeiros internacionais— e a queda no preço de alimentos, fica difícil atribuir algum papel a esse governo na estabilização dos preços.

Aliás, em meio a tal processo desinflacionário, o Banco Central deveria ter reduzido muito mais rapidamente a taxa de juros do que o fez, evitando ter de proferir justificativas públicas para a inflação abaixo do piso da meta em 2017.

Quanto à emenda constitucional 95, o discurso propagado era que o teto de gastos seria o caminho mais rápido para a estabilização da dívida e uma maior eficiência na alocação do dinheiro público. Nos bastidores, a defesa era que a aprovação do teto serviria para garantir a reforma da Previdência: caso contrário, as despesas previdenciárias acabariam por tomar quase todo o Orçamento.

Resultado: reforma não aprovada, investimentos em obras quase zerados, falta de recursos em todas as áreas prioritárias, parcela no Orçamento garantida para os privilegiados de sempre e déficits fiscais muito maiores do que o previsto inicialmente. Como se não bastasse, o teto terá de ser revisto em 2019 sob o risco de paralisação da máquina pública. Pinguelinha para ser esquecida.

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